segunda-feira, 1 de julho de 2013

“O Guarani”, de José de Alencar – em meio à escuridão, Loredano deseja e observa a janela do quarto de Cecília; vê que Álvaro se arrisca para deixar o presente que trouxe para a moça; três diferentes manifestações de amor por Cecília; o italiano estraga os planos do rival; Peri observou tudo e tirou suas conclusões; o solitário sofrimento de Isabel

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-guarani-de-jose-de-alencar-os.html antes de ler esta postagem:

Então ficamos sabendo que o casarão estava praticamente adormecido na escuridão da noite… Cecília dormiu, mas por ela “velavam três sentimentos profundos, palpitavam três corações bem diferentes”… Peri, Álvaro e Loredano estavam despertos e ainda vigiavam a janela de onde se via “apenas uma luz vaga e mortiça”…
O italiano sabia que jamais teria alguma chance de se envolver com a filha de d. Mariz, “um rico fidalgo de solar e brasão”… Loredano era um pobre colono, e essa sua condição, em tempos de congelada estratificação social, impedia qualquer possibilidade de interação com a donzela… Isso tornava o seu sentimento pela moça ainda mais ardente. Talvez por isso mantivesse o desenfreado desejo de possuí-la.
Álvaro era o “cavalheiro delicado e cortês”… Podemos dizer que ele era quem tinha alguma chance de conquistar a estima e o amor de Cecília… Além de contar com a estima de d. Antônio, participava mais de perto do círculo dos Mariz… Mas podemos dizer que seu contato com Cecília era marcado pela inocência e pela troca de palavras acanhadas que, no máximo, provocavam certo rubor em ambos… O rapaz estava disposto a pedir Cecília em casamento, e o presente que trouxera para ela era como que uma sinalização de suas boas intenções… Só que ele não esperava o desprezo a ele dispensado, e é por isso que insistia em deixar a sua prenda no umbral da janela da amada.
Peri era o fanático… Ele nutria um “sentimento religioso” por Cecília. Para ele, o que contava era unicamente satisfazê-la em todos os seus desejos e mantê-la em segurança… Era a isso que ele se devotava integralmente… Não sentia ciúmes, por exemplo, se a via feliz ao lado de Álvaro… De tal forma o índio se devotava à filha de d. Mariz que morreria por ela se assim ela o desejasse.
Alencar define os três sentimentos manifestados pelos apaixonados por Cecília em três palavras: loucura (esse era o caso de Loredano); paixão (era o sentimento nutrido por Álvaro); religião (é como podemos descrever a devoção de Peri)… O primeiro desejava; o bom rapaz amava; e o índio adorava.
Apesar dos anseios que nutriam, nenhum deles tinha como tocar facilmente a janela do quarto de Cecília… Primeiro porque não havia como chegar até o umbral caminhando… Além disso, a posição em que o cômodo se encontrava era das mais guarnecidas pelos elementos naturais. Quem o intentasse certamente escorregaria no plano extremamente inclinado e liso, e precipitaria para uma profunda vala coberta de vegetação natural e habitada por répteis que viviam nas “sombras mais úmidas”… Então, aproximar-se da janela podia significar espatifar-se contra rochas e depois ser devorado por cobras e insetos venenosos…
Loredano permanecia a fitar a janela na escuridão… Mesmo assim pôde ver que alguém se aproximava dela… Era Álvaro que, “segurando-se a uma estaca do jardim e pondo um pé sobre o respaldo, coseu o corpo à parede”… Assim, dependurado, conseguiu depositar o pequeno objeto no parapeito… O italiano não tinha dúvida de que se tratava do seu rival… E ele bem sabia que objeto era aquele.
Depois de perceber que o outro deixou o local, Loredano decidiu desfazer o que ele havia planejado… Então, não sem correr maiores riscos, cravou sua adaga à parede e dependurou-se, permanecendo temerariamente içado pelo cabo da lâmina… Esticou-se o mais que pôde até alcançar a prenda deixada por Álvaro. Sem dúvida, uma manobra insana… A qualquer momento a lâmina poderia se desprender… Ele mesmo poderia vacilar e rolar precipício abaixo… Mas o fato é que sua maldade era maior do que o seu temor… E assim conseguiu lançar o presente para a profundidade escurecida e retornar ao terreno firme.
(...)
Tudo o que se passou foi atentamente observado por Peri... Ele havia permanecido imóvel e em silêncio na árvore onde há um bom tempo estava instalado… Mesmo na escuridão, o índio viu que os outros dois tipos se posicionaram para contemplar a janela de Cecília… Peri já sabia do amor que Álvaro nutria por Cecília, mas não desconfiava dos sentimentos do italiano.
Inicialmente, Peri decidiu apenas observar e manter-se em prontidão para agir caso julgasse que Cecília corresse algum perigo… Ficou curioso para saber qual era o intento dos dois… Depois que viu a perigosa ação de Álvaro, adivinhou qual era a sua motivação… Concluiu que os movimentos de Loredano denunciavam que se tratavam de atos provocados por desesperado ciúme.
Peri pensou sobre as situações protagonizadas pelos dois e, como não podia deixar de ser, levou em consideração apenas a vontade de sua senhora... Se mais tarde ela julgasse que o objeto deveria ser recuperado, ele o traria de volta... Depois que notou que os outros dois haviam se recolhido, e que a noite era toda tranquilidade, o índio entrou em sua cabana, dormiu e sonhou que a sua dedicação era sagrada, pois a lua o escolhera para proteger aquela que era a “sua filha na terra”.
(...)
Isabel ainda permanecia acordada em seu quarto... Por um bom tempo pensou sobre o quanto o seu dia havia sido de tristezas... Lembrou-se que havia ficado muito feliz ao saber do retorno de Álvaro e da comitiva... Mas não suportava sofrer de amor por ele, que só tinha olhos para se encantar com sua prima Cecília... Em sua solidão, Isabel chorava, e sua amargura aumentou ainda mais depois de ter notado que o amado atravessou a esplanada, certamente com o pensamento e intenções voltados para Cecília.
De repente ela colocou entre as mãos uma redoma que a acompanhava constantemente presa ao seu pescoço... A tampa de cristal deixava transparecer um anel de cabelos... Dentro do objeto havia pó do “curare”, veneno muito poderoso conhecido pelos indígenas... Em sua angústia, a moça colou os lábios no cristal... Manifestou para si mesma que a atitude extremada dependia apenas de sua vontade...
Somos levados a imaginar que o próximo ato de Isabel seria o suicídio, mas notamos que a lembrança da mãe lhe vem à mente... E é isso o que a demove do ato de desespero.
Leia: O guarani. Editora Ática
Um abraço,
Prof.Gilberto

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