quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Corações Sujos", de Fernando Morais - "reunião de pacificação" no Palácio do Governo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2012/02/coracoes-sujos-de-fernando-morais-o.html antes de ler esta postagem:

O encontro entre os membros da Shindo (e de outras associações japonesas) com as autoridades políticas, militares e religiosas paulistas aconteceu no dia 19 de julho de 1946 e resultou, no mínimo, em confuso e constrangedor para o interventor Macedo Soares...
Ele estava muito animado com o “encontro de pacificação”... Contava com o apoio e a presença do cardeal-arcebispo dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, e de Milton de Freitas Almeida (general) e Armando Ararigbóia (brigadeiro). O chefe de governo paulista queria demonstrar que se preocupava com as várias vítimas dos atentados e que não havia deixado de lado a questão envolvendo a colônia japonesa, abandonando-a em meio à violência que sofria. Embora criticado, principalmente pelo seu secretário de Segurança Pública (Pedro de Oliveira Ribeiro), defendia o encontro com afinco porque, para ele, os japoneses são “um povo marcado pelo respeito que dispensam à hierarquia”...
Então, o interventor (ex-diplomata) entendia que os japoneses presentes no evento acatariam os conteúdos expostos nos documentos que seriam apresentados como “verdades transmitidas pelos representantes da Lei e da Ordem”... Nisso se consistia o que, para ele, era a ideia da “mística contra a mística” (Autoridade/Ordem x Respeito à Hierarquia).
Como vimos, centenas de japoneses acorreram ao palácio do governo atendendo ao convite... Todos aguardaram pacientemente que as autoridades finalizassem o seu almoço reservado para que a reunião tivesse início. Macedo Soares iniciou agradecendo a presença de todos e ressaltou o momento democrático vivido pelo país. Em seguida a palavra passou a Ragnar Kumlin, embaixador da Suécia, país que respondia pelos interesses dos japoneses na colônia. Foi ele quem se encarregou da leitura dos documentos que, para as autoridades, eram de importância capital...
A leitura era morosa porque havia interrupções constantes para a tradução necessária aos ouvintes. Muitos documentos foram lidos para a assembléia... Todos a respeito da derrota e rendição japonesa ao final da Segunda Guerra. Os termos “derrota” e “rendição incondicional” foram muito enfatizados.
A “Carta dirigida aos japoneses residentes no Brasil”, escrita pelo Ministro das Relações Exteriores do Japão, Shigeru Yoshida, foi lida por Kumlin. O texto reforçava mais uma vez a necessidade de os japoneses no Brasil viverem pacificamente, aceitarem a realidade dos fatos e contribuírem para a prosperidade da pátria que os adotara. O embaixador sueco ressaltou que o que ocorria no Brasil em meio à comunidade japonesa era inaceitável, já que criminosos e subversivos estavam explorando a ingenuidade e boa-fé da comunidade nipônica.
Macedo Soares retomou a palavra e atacou ainda mais as ações terroristas que tomavam conta do noticiário... Disse que os simpatizantes das causas kachigumi eram indignos da hospitalidade do país... Sendo assim, os criminosos cumpririam as devidas penas e seriam expulsos do Brasil.
A tudo os japoneses presentes ouviram passivamente. O interventor havia providenciado uma Ata para o registro da reunião que, para ele, era histórica. Ao final das “falas oficiais”, fez questão de ler o derradeiro parágrafo da Ata (que deveria ser assinada por todos os presentes), pelo qual os japoneses que compareceram ao encontro declaravam-se de acordo com tudo o que lhes fora exposto e que contribuiriam com as autoridades para que eventos criminosos não mais ocorressem.
Então, Macedo Soares perguntou se algum dos presentes gostaria de falar algo... Um senhor de baixa estatura, Tatayo Omasa, da localidade de Duartina, falou e inflamou os presentes. Ele disse que ninguém assinaria nada, pois o Japão, sendo divino, venceu a guerra! A gritaria que se seguiu em apoio ao orador foi geral...
Depois, a senhora Sachiko, da localidade de Agudos, a única japonesa presente, pronunciou em português que ninguém que fosse da colônia japonesa naquela assembeia acreditava em derrota do Japão... Solicitou a Macedo Soares que acabasse com a divulgação de “propagandas falsas” e anunciasse a todos a “vitória do Japão!”... Novamente a euforia foi geral... Então, outros japoneses discursaram corroborando os primeiros... Até que Seiiti Hayakawa, de Tupã, disse ao microfone que, para os atentados chegarem ao fim, o governo precisaria restabelecer o serviço de correios entre o Brasil e o Japão; e proibir as propagandas enganosas difundidas pelos norte-americanos pela imprensa... As autoridades “perdiam tempo” ao quererem convencer os japoneses daquela forma... A menos que algum representante do imperador comunicasse pessoalmente aos súditos a esse respeito, ninguém aceitaria aquelas palavras sobre “rendição incondicional”...
Podemos imaginar o desastre que foi a “reunião de pacificação” iniciada com advertências bastante severas... Macedo Soares resolveu mudar o tom de seu discurso... Agraciou os japoneses com um “os senhores (...) são a parte mais importante da população brasileira” e com um “determino que seja eliminada a expressão ‘rendição incondicional’ da ata”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/02/coracoes-sujos-de-fernando-morais_10.html
Leia: Corações Sujos. Companhia das Letras.

Um abraço,
Prof.Gilberto

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