Sete-de-Ouros estava à frente de todos na travessia da correnteza provocada pelo transbordamento do córrego da Fome.
O burrico carregava o embriagado Badú... Os demais vaqueiros se esforçavam para segui-lo. Logo atrás de Badú estavam Francolim e Silvino. O primeiro se arrogava chefe da expedição de retorno à Tampa e queria alcançar a dianteira... Silvino pretendia o mesmo intento, mas para dar cabo de seu rival.
(...)
Mas as águas estavam violentas e se movimentavam numa espiral
completamente imprevisível... Um “rebojo sinuoso” separou os homens... Quem
podia acertar o caminho?
Badú
não tinha a menor condição de calcular o que estava acontecendo... Por instinto
agarrou com mais força ainda o pescoço do burrinho e manteve as mãos presas à
crina. Ao mesmo tempo pressionou as pernas tomadas de friagem em torno do lombo
do animal.
O rapaz pendia para
um lado e depois para o outro... Diversas vezes teve as faces agredidas por
jatos de água. Mas manteve-se firme enquanto o Sete-de-Ouros avançou.
Eventualmente o vaqueiro arriscava um juízo sobre o “fim do mundo debaixo
d’água”, soltou palavrões e pragas contra as cãibras que começava a sentir nas
panturrilhas.
O
que podia fazer? A violência das águas o levantava da cela... Era o instinto de
sobrevivência que o levava a resistir! Ele tinha consciência de que havia
bebido demais. Ao menos lembrava-se de que estava em cima do Sete-de-Ouros e
gritou um incentivo para ele.
“Homem muito ébrio em
cima de burro mui lúcido”.
(...)
A água jorrou em
diversas direções... De repente Badú escutou um “créu; créu” bem perto dele...
Achou que fosse um mutum do mato (ave típica da região) e vociferou que aquilo
só podia ser uma aberração... Mas será que o bicho não podia usar suas asas?
Também podia ser um gambá de grito estridente como o dos passarinhos.
(...)
O dilúvio parecia não
ter fim...
Alheio às águas e aos
problemas do vaqueiro, Sete-de-Ouros parecia encher o peito para prosseguir com
firmeza. Às vezes ele se encolhia diante dos enxurros mais selvagens para
ganhar fôlego. A certa altura saltou sobre um corpo... Um jacaré!
No meio da escuridão houve um momento em que Sete-de-Ouros parou por
algum tempo... Mas que não se pense que ele estivesse esgotado, pois foi apenas
o necessário para deixar passar uma longa tora que descia “com o poder de uma
testa de touro”.
O madeiro desapareceu nas águas...
O
céu permanecia escuro, num “pretume sujo, que nem forro de cozinha”.
(...)
Mas que noite! Que travessia!
“Um bolo de folhas e
galhos” desceu e se enroscou no vaqueiro embriagado. Com dificuldade, Badú se
esforçou para se livrar dos gravetos e folhagens que pareciam ser de goiabeira.
Roupa rasgada... Menos mal... “Fosse um imbaré ou um pau de espinho” mataria o
rapaz.
(...)
O
burrinho seguiu no meio das águas enlouquecidas...Elevava o mais que podia o
queixo, pois só assim salvava o focinho e podia respirar.
Avançava a cada
peitada e “tacar de patas”... Mas ia sem pressa com suas “remadas vagarosas”.
“Chu-áa! Chu-áa”...
Este era o rio rugindo, como se fosse a “chuva deitada no chão”.
O que animava o Sete-de-Ouros certamente era saber que
“no fim de tudo, havia o pátio, com os cochos, muito milho, na Fazenda; e
depois o pasto: sombra, capim e sossego”.No mais era prosseguir sem pressa. O poço pelo qual passava era dos mais terríveis... Era tudo água, mas a violência e o barulho que dele emanavam podiam ser comparados ao de um fogaréu.
Aquilo provocava medo? Sem dúvida! Mas essa sensação o burrico já conhecia... Tudo ali estava bem ruim e confuso. E isso era “como os homens e os seus modos, costumeira confusão”.
Para o pobre animal era só “fechar os olhos”...
E prosseguir.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_10.html
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto