quarta-feira, 23 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo defende as ações guerrilheiras ainda que improvisadas; o Comissário defende a cautela e um estudo mais detalhado sobre os adversários; dificuldades de uma “guerra sem povo”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-ainda-narrativa-de.html antes de ler esta postagem:

O Comissário Político desabafou suas preocupações a respeito da missão que a guerrilha no Mayombe vinha empreendendo. Deu a entender que as iniciativas do Chefe de Operações eram temerárias principalmente porque o reconhecimento da área não havia fornecido maiores informações a respeito do inimigo (os tugas)... Onde suas tropas estavam? Qual era o seu efetivo?
O Comandante terminou de se ensaboar e mergulhou a cara nas águas para se enxaguar... Por um tempo ficou a observar a movimentação dos peixes. Depois disse que o Comissário tinha razão. Mas acrescentou que o “lado ignorado da operação” era o que mais lhe agradava. Em sua opinião, tudo o que era demasiado planejado o desagradava. E explicou que nessas ocasiões sempre ocorria de algum detalhe resultar em falha.
Obviamente essa era uma das diferenças entre Sem Medo e o Comissário Político. O Comandante adiantou-se a dizer que o seu modo de ser e de avaliar a situação relacionavam-se à sua “natureza anarquista”. Ele até reconhecia que o outro considerasse equivocado o seu procedimento. Mas o que podiam fazer?
O Comandante explicou que só poderiam obter maiores informações a respeito dos inimigos se os fizessem “sair dos quartéis”. As ações tinham de ocorrer, até porque já fazia um bom tempo que a guerrilha não se mobilizava por aguardar indefinitivamente as instruções que nunca chegavam.
Então deviam “dinamizar as coisas”! Haviam chegado a um ponto em que eles mesmos deviam tomar as decisões!
(...)
O ponto de vista de Sem Medo era simples... A ação guerrilheira colocaria em evidência as “faltas ou os vícios” de sua organização. Todos sabiam que em outras regiões a guerra prosseguia enquanto que no Mayombe ela apenas recuava. Era preciso considerar que talvez o grupamento do qual fazia parte, inclusive o Comando, não estivesse à altura da causa.
Também havia a argumentação a respeito do povo e a visão que as pessoas comuns tinham da guerrilha. Muitos diziam que o povo era traidor. Mas para o Comandante aquilo era uma “desculpa fácil”. Em sua opinião, era mais cômodo tecer críticas ao povo do que assumir que o grupamento não tinha capacidade para aprofundar a causa revolucionária.
Ele mesmo disse que talvez ambas as coisas fossem verdadeiras. Mas deixou claro que, para saberem a verdade, teriam de agir e enfrentar “estruturas caducas” que travavam o desenvolvimento da luta.
(...)
Os guerrilheiros já estavam quase prontos...
O Comissário acabou de se vestir e manifestou que concordava com as palavras de Sem Medo. Admitiu que o grupamento precisava agir e que ele não acreditava nos boatos sobre a “traição do povo”... A culpa pelo marasmo devia mesmo ser atribuída ao grupo. Todavia ele entendia que não se podia agir de qualquer modo. Defendia a necessidade de um melhor estudo sobre o inimigo, sua posição e poder de fogo.
O Comissário salientou que suas preocupações se justificavam sobretudo porque estavam isolados e fazendo guerra “sem povo”. O Comandante emendou que o grupamento de guerrilheiros estava como que naufragado “numa ilha chamada Mayombe”... O Comissário assentiu e reforçou que era preciso muito mais cautela, pois o grupo estava reduzido e, sendo assim, os planos deviam ser “perfeitos”.
Mais uma vez o homem destacou a importância de ações conscientes. Sentenciou que tinham de levar em conta que, sem o envolvimento do povo, atuavam como cegos...
(...)
Em sua metáfora o povo seria os “olhos e as antenas” da guerrilha. Se estavam “cegos”, era preciso “apalpar com todo cuidado” os caminhos que percorreriam para não “caírem em buracos”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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