O Comissário Político desabafou suas preocupações a respeito da missão que a guerrilha no Mayombe vinha empreendendo. Deu a entender que as iniciativas do Chefe de Operações eram temerárias principalmente porque o reconhecimento da área não havia fornecido maiores informações a respeito do inimigo (os tugas)... Onde suas tropas estavam? Qual era o seu efetivo?
O Comandante terminou de se ensaboar e mergulhou a cara nas águas para se enxaguar... Por um tempo ficou a observar a movimentação dos peixes. Depois disse que o Comissário tinha razão. Mas acrescentou que o “lado ignorado da operação” era o que mais lhe agradava. Em sua opinião, tudo o que era demasiado planejado o desagradava. E explicou que nessas ocasiões sempre ocorria de algum detalhe resultar em falha.
Obviamente essa era uma das diferenças entre Sem Medo e o Comissário Político. O Comandante adiantou-se a dizer que o seu modo de ser e de avaliar a situação relacionavam-se à sua “natureza anarquista”. Ele até reconhecia que o outro considerasse equivocado o seu procedimento. Mas o que podiam fazer?
O Comandante explicou que só poderiam obter maiores informações a respeito dos inimigos se os fizessem “sair dos quartéis”. As ações tinham de ocorrer, até porque já fazia um bom tempo que a guerrilha não se mobilizava por aguardar indefinitivamente as instruções que nunca chegavam.
Então deviam “dinamizar as coisas”! Haviam chegado a um ponto em que eles mesmos deviam tomar as decisões!
(...)
O ponto de vista de Sem
Medo era simples... A ação guerrilheira colocaria em evidência as “faltas ou os
vícios” de sua organização. Todos sabiam que em outras regiões a guerra
prosseguia enquanto que no Mayombe ela apenas recuava. Era preciso considerar
que talvez o grupamento do qual fazia parte, inclusive o Comando, não estivesse
à altura da causa.
Também
havia a argumentação a respeito do povo e a visão que as pessoas comuns tinham
da guerrilha. Muitos diziam que o povo era traidor. Mas para o Comandante
aquilo era uma “desculpa fácil”. Em sua opinião, era mais cômodo tecer críticas
ao povo do que assumir que o grupamento não tinha capacidade para aprofundar a
causa revolucionária.
Ele mesmo disse que
talvez ambas as coisas fossem verdadeiras. Mas deixou claro que, para saberem a
verdade, teriam de agir e enfrentar “estruturas caducas” que travavam o
desenvolvimento da luta.
(...)
Os guerrilheiros já
estavam quase prontos...
O Comissário acabou de se vestir e manifestou que concordava com as
palavras de Sem Medo. Admitiu que o grupamento precisava agir e que ele não
acreditava nos boatos sobre a “traição do povo”... A culpa pelo marasmo devia
mesmo ser atribuída ao grupo. Todavia ele entendia que não se podia agir de
qualquer modo. Defendia a necessidade de um melhor estudo sobre o inimigo, sua
posição e poder de fogo.
O Comissário salientou que suas preocupações se justificavam sobretudo
porque estavam isolados e fazendo guerra “sem povo”. O Comandante emendou que o
grupamento de guerrilheiros estava como que naufragado “numa ilha chamada
Mayombe”... O Comissário assentiu e reforçou que era preciso muito mais
cautela, pois o grupo estava reduzido e, sendo assim, os planos deviam ser “perfeitos”.
Mais uma vez o homem destacou a importância de
ações conscientes. Sentenciou que tinham de levar em conta que, sem o
envolvimento do povo, atuavam como cegos...
(...)
Em
sua metáfora o povo seria os “olhos e as antenas” da guerrilha. Se estavam “cegos”,
era preciso “apalpar com todo cuidado” os caminhos que percorreriam para não “caírem
em buracos”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-o-comandante-e-o.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto