quarta-feira, 30 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – o zumbido da serra imperialista; Lutamos aparta-se dos demais e provoca desconfianças; Sem Medo observa seus comandados prestes a entrarem em ação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/05/mayombe-de-pepetela-intervencao-do.html antes de ler esta postagem:

Depois de longa caminhada, os guerrilheiros começaram a ouvir um zumbido que só podia ser o de uma serra. A ferramenta mecânica não estava nada longe do ponto em que se encontravam.
O grupamento diminuiu o avanço até parar definitivamente.. Mas todos viram que Lutamos manteve o ritmo e prosseguiu. O Comandante perguntou a Ekuikui se ele sabia de alguma motivação para que o outro reagisse daquela maneira.
O Comissário Político nem esperou a resposta do rapaz e se colocou em marcha na direção do desgarrado. Fez isso com todo o cuidado para não provocar nenhum barulho.
(...)
Milagre adiantou-se a responder ao Comandante que Lutamos havia se afastado de propósito.
Pangu-A-Kitina respondeu que Lutamos estava com a intenção de chegar aos trabalhadores antes do grupamento, pois assim poderia avisá-los do perigo que se aproximava... Verdade concordou e disse que o rapaz só podia estar querendo sabotar a missão.
O Comandante vociferou que todos deviam se calar enquanto não soubessem o que de fato tinha ocorrido.
(...)
O Chefe de Operações seguiu o Comissário... Não havia em quê ele pudesse ajudar, então somos tentados a crer que o tipo quisesse conferir a atuação do Comissário Político.
Lutamos parou assim que percebeu que estava sendo chamado. O Comissário perguntou por que ele havia se afastado dos demais. O guerrilheiro respondeu que simplesmente continuou a seguir distraído na dianteira.
Sem esboçar qualquer reação, Lutamos acompanhou o Comissário no retorno à posição dos demais. No caminho passaram pelo Chefe de Operações. Este não pronunciou nenhum comentário e os seguiu.
O Comandante Sem Medo quis logo saber o que tinha ocorrido... Antes que Lutamos pudesse falar, o Comissário foi explicando que este se distraíra e por isso não acompanhou a movimentação dos camaradas.
Os demais guerrilheiros desviaram olhares desconfiados ao Lutamos... Mas o Comandante dava a entender que estava satisfeito com a explicação, pois logo ordenou uma investigação pelas imediações...
(...)
Os homens ficaram assim divididos:
O Comissário, Verdade e Muatiânvua tomaram o caminho à esquerda...
O Chefe de Operações, Pangu-A-Kitina e Milagre seguiram para a direita.
Os demais permaneceriam com o Comandante no local mesmo onde haviam parado anteriormente.
(...)
Sem Medo sentou-se... Outros fizeram o mesmo... Mundo Novo tratou de pegar o punhal para limpar as unhas. O Comandante observou as mãos do rapaz. Para si mesmo sentenciou que elas indicavam que só podiam ser de um intelectual...
Teoria pôs-se a esfregar o joelho enquanto avaliava a contusão. Ekuikui, que não perdia o instinto de caçador, olhava para o alto das árvores como que se estivesse a investigar a presença de macacos. Lutamos colocou-se à parte e manteve os ouvidos bem atentos. O zumbido da serra era o único som que podia interessar aos homens.
Logo o zumbido parou, e na sequência os que trabalhavam com a serra gritaram. Instintivamente os guerrilheiros se levantaram. Então ouviram o barulho que denunciava a queda de grande árvore sobre os ramos das suas vizinhas. O Comandante confirmou que tudo indicava que os que trabalhavam para os tugas tinham acabado de cortar uma árvore e que o madeiro tombara.
Sem Medo sentou-se novamente. Também o professor voltou a se sentar. Os demais guerrilheiros permaneceram de pé. Ouviram novamente o zumbido da serra, que foi ligada novamente. Mundo Novo arriscou dizer que estava tudo normal (pois os trabalhadores deram continuidade ao corte das árvores) e também se sentou.
(...)
O Comandante notou que Lutamos estava nervoso... Depois olhou para o Teoria e concluiu que o professor estava sofrendo, mas escondia sua real condição.
Ekuikui comportava-se como o caçador de sempre.
Entre os camaradas estava o Ingratidão do Tuga... Para Sem medo, este não conseguia esconder a desconfiança que nutria em relação ao Lutamos. Já o silêncio de Mundo Novo podia ser-lhe propício para suas reflexões sobre a Europa e seus marxistas-leninistas.
Este exercício de observação do Comandante lhe possibilitava um “fichamento mental” de cada um de seus homens... Dessa forma tinha mais chance de acertar na atribuição das tarefas de cada um.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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