O guerrilheiro Milagre observava Lutamos.
Ele queria ver como o rapaz reagiria às palavras de Muatiânvua. Embora Lutamos se sentisse ofendido, nada respondeu.
Milagre dirigiu-se ao Comissário e quis saber qual era a sua opinião.
(...)
O
Comissário respondeu que não havia tempo para mais conversas e que deviam
prosseguir. Garantiu que no momento propício voltariam a falar a respeito
daquele assunto. Alertou que ninguém estava autorizado a atacar os
trabalhadores, ou “qualquer homem do povo”.
O comandante Sem Medo
interveio dizendo que Muatiânvua estava brincando ao dizer aquelas coisas ao
Lutamos. Falou que o camarada era “lumpem”* e que “os lupens gostam sempre de
brincar com coisas sérias”.
* Neste ponto é preciso levar em consideração que o
Comandante fez a referência com base no conceito marxista em relação àqueles
que, além de sofrerem com as péssimas condições de vida e trabalho, não têm
consciência a respeito da necessidade de organização de classe e de unidade na
luta contra a exploração.
Enquanto Sem Medo
falou, Muatiânvua sorriu e acendeu um cigarro. Depois olhou para o Lutamos e deu
uma piscadela... Seria uma provocação ou o Comandante tinha mesmo razão?
(...)
Sem Medo anunciou a
todos que as advertências do Comissário Político haviam sido bem sérias. Ele
mesmo repetiu que qualquer um dos camaradas que ousasse “fazer tribalismo”
contra os cabindas seria fuzilado.
Depois dessas
palavras restou o silêncio do Mayombe.
(...)
O grupamento seguiu
pelo caminho planejado. Para encurtá-lo. Atravessou o rio algumas vezes.
Na retomada da jornada Teoria sofreu muito. Depois o aquecimento do
corpo ajudou-o a suportar as dores no joelho.
Os guerrilheiros caminhavam em fila indiana, mas mantinham certa
distância uns dos outros. O texto destaca que aos poucos venceram as lianas e
também uma vasta área tomada por “folhas largas de xikuanga” habitada por
elefantes. O cheiro desses animais tomava a atmosfera.
Ekuikui, que era guerrilheiro oriundo da
província do Bié e conhecido entre os demais por sua fama de caçador, lamentou
por não poder caçar os elefantes naquele mesmo instante. Ele bem sabia que um
animal daqueles renderia comida por muito tempo.
Houve mesmo uma ocasião
em que o grupamento topou com uma manada. E Ekuikui levantou sua arma por instinto.
Mas no mesmo instante o Chefe de Operações o alertou que ninguém devia efetuar
qualquer disparo.
Os animais seguiram com tranquilidade pelo caminho sem se importarem com
os “homens de verde”.
O
Comissário teve o cuidado de comentar com o rapaz sobre o objetivo que tinham
ali: procurar os tugas. Salientou que qualquer tiro que dessem podia
alertá-los. Humildemente, Ekuikui respondeu que compreendia perfeitamente a
situação.
(...)
Lutamos caminhava
adiantado e refletia sobre a discussão que tiveram (a respeito do que fariam
com os trabalhadores da exploração de madeira). Ele sabia que logo os
encontrariam, e lembrou que o Comandante havia dito que Muatiânvua falava “por
brincadeira”. Mas será que Verdade (ao propor o fuzilamento) estava brincando?
Lutamos
desconfiava que não.
Logo chegaram ao
ponto utilizado pelos tugas para retirar a madeira... Lutamos tornou-se ainda
mais triste ao concluir que o povo não colaborava e, pelo visto, os
guerrilheiros estavam certos ao recorrerem aos fuzilamentos.
O rapaz pensava na
própria família e em todos os sofrimentos que os tugas lhes infligiram. Seu
pai, mãe e irmãos acabaram fuzilados...
(...)
Mas o povo não
apoiava o movimento de libertação! Será que não via os inúmeros motivos?
O povo não apoiava! E em sua opinião isso
acontecia porque a guerra havia chegado a Cabinda na época em que ele mesmo era
ainda uma criança. Mas ninguém nunca comunicara ao povo quais eram os motivos
da guerra.
Como
a guerra iria crescer assim?
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/05/mayombe-de-pepetela-o-zumbido-da-serra.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto