terça-feira, 22 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – ainda a narrativa de Teoria sobre seus dramas passados; considerações do Comissário Político sobre as incertezas da ação e do reconhecimento feito pelo Chefe de Operações

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-um-pouco-sobre-o_21.html antes de ler esta postagem:

No Mayombe, o professor buscava a possibilidade de ser o “talvez”, o miscigenado “café com leite”. Importava-se sobretudo com o seu “eu profundo” e não com os rótulos que interessam apenas àqueles que não levam em conta o que os frascos encerram.
Parte de seu drama havia sido a escolha. Num determinado momento teve de optar entre Manuela e o “mergulho na própria identidade”...
Como sabemos, ele escolheu desistir de sua amada. Com amargura perguntava para si mesmo “por que no mundo não há lugar para o talvez?”
No final das contas sentiu-se “fugindo de Manuela”. Ele se lembrou de que havia tomado a decisão quando estava só em sua casa... A mesma casa onde pouco depois nasceria a criança que jamais viria a conhecer.
Teve a chance de se estabilizar numa vida em família. Mas fugiu... No Mayombe, ele desabafou sua condição de “alienado que se aliena” e que espera “libertar-se”.
Teoria recordou a época em que era um menino, quando concentrava suas energias num esforço para se reconhecer como branco, pois não queria que os brancos o chamassem de negro... Adulto, quis identificar-se como negro para não se sentir odiado pelos negros.
Então é isso... Como poderia incluir Manuela em seus planos futuros? Não havia lugar para ela em sua vida marcada “pelo problema da escolha, do sim ou do não”.
Seu drama era esse... O de se autoafirmar diante de pessoas que precisavam entender que, no mundo, “há lugar para o talvez”.


(...)

Encharcado, e sofrendo de dores no joelho, Teoria sabia que seu destino estava vinculado às movimentações da guerrilha no Mayombe. Manuela pertencia a outro, a quem dispensava suas carícias.
(...)
O dia amanheceu, mas no Mayombe a aurora não penetrava.
A mudança se fazia sentir pelos hábitos dos animais da selva... As aves noturnas desapareciam ao mesmo tempo em que macacos e esquilos davam início às suas estripulias... Também as águas do Lombe pareciam “diminuir o tom” à espera de raios dourados.
O professor ainda refletia sobre os segredos e motivações de cada um dos guerrilheiros quando esses começaram a se preparar para retomar a jornada... Acreditavam que “a menos de um dia de marcha”, sempre descendo o Lombe, encontrariam as tropas inimigas.
(...)
O rio oferecia a água que todos necessitam para se lavar.
O Comandante estava perto do Comissário Político e fez um comentário positivo a respeito de sua forma física. Ele mesmo estava ganhando uns quilos e até mesmo uma barriguinha.
O Comissário sugeriu que a “falta de ação” é que estava deixando os homens mais pesados. Isso parecia ser mais danoso para o Comandante... De sua parte, o que mais o chateava era o ter de avançar sem saber o que fariam mais adiante. Emendou que o “plano” não o agradava.
Sem Medo respondeu que esperava que o Chefe de Operações tivesse razão, pois ele havia feito o “reconhecimento”. O Comissário vociferou que o “reconhecimento” deixava a desejar... O outro apenas descera o rio, encontrara uma picada e já concluiu que a madeira local vinha sendo explorada!
Aquilo podia ser considerado um “reconhecimento”? Nem mesmo se sabia se os tugas (de “portugas”; como os portugueses eram pejorativamente chamados pelos rebeldes) tinham tropas na dita exploração!
O Comandante quis contemporizar e disse que era preciso esperar... Haviam deslocado a Base mais para o interior, e isso ele avaliava como positivo. Tinham de decidir aos poucos... Não havia combates na fronteira, então precisavam ser cautelosos nas ações.
Além disso, o Comandante ressaltou que tudo corria conforme o próprio Comissário defendia... Mais do que militar, a ação devia ser política. Sendo assim, ele não tinha motivos para se queixar.
O  Comissário respondeu que, se a ação guerrilheira no Mayombe estava sendo decisiva para barrar a exploração da madeira e impor um “golpe econômico” aos inimigos, então era digna de louvor. Agiriam numa frente totalmente nova, e o ele entendia que isso era positivo em relação ao povo que, pelo visto, nem pensava que eles estivessem naquelas paragens e em combate.
A preocupação do Comissário era com o “aspecto militar”. Havia várias dúvidas em relação ao inimigo... Onde estava? Com quantos homens contava?
Os guerrilheiros eram poucos. De modo algum podiam ser surpreendidos. A derrota seria pesada demais.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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