sábado, 26 de maio de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – mais sobre o professor, seu ingresso na guerrilha, cotidiano na base e tímida participação nas ações; Verdade, Lutamos e Muatiânvua, três guerrilheiros na missão e suas opiniões sobre a captura dos trabalhadores da exploração de madeira; tribalismo, incoerências e preconceitos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/05/mayombe-de-pepetela-o-comandante-e-o.html antes de ler esta postagem:

Estamos num ponto em que Teoria fez nova narrativa.
Dessa vez ele explicou que logo que ingressou no grupamento guerrilheiro foi “nomeado professor da Base”. Além disso tornou-se “instrutor político” e auxiliar do Comissário.
Seu dia-a-dia na Base era marcado pelas aulas que ministrava aos demais e também pelas horas que cumpria na vigilância. Só raramente participava de ações, normalmente nas de “patrulha e reconhecimento”.
Ele sempre se oferecia para participar das missões. Mas o Comando não se mostrava favorável e negava, pois prevalecia o entendimento de que o professor “não era igual aos demais”.
De “seus registros” depreende-se que certa vez o grupamento teve de fazer uma expedição de reconhecimento. A Base estava bem desfalcada e Teoria logo percebeu que se não se manifestasse “seria notado”. Em seu íntimo, não desejava que isso ocorresse, mas sentiu-se na obrigação de se oferecer para integrar o destacamento...
Como sabemos, o que mais o incomodava era o fato de trazer na pele a evidência de “filho de pai branco”. Esse era o seu “pecado original”. Como poderia se esquivar naquela ocasião?


(...)

Entre os guerrilheiros havia um de codinome Lutamos.
Enquanto os homens seguiam em direção a um dos pontos em que os tugas faziam uma exploração da madeira do Mayombe, este Lutamos se manifestou contra a proposta de Verdade (codinome do guerrilheiro que chefiava o subgrupo).
O Comandante se aproximou e Lutamos foi logo dizendo que Verdade estava a favor de capturarem os trabalhadores locais que estivessem na exploração da madeira. Sua ideia era fuzilá-los simplesmente porque estavam a serviço dos exploradores portugueses.
Sem Medo nada respondeu. Pôs-se a servir de uma gamela enquanto o Comissário Político acomodou-se junto a uma árvore... Num primeiro momento mostraram-se mais interessados em ouvir a conversa entre os guerrilheiros sem interferir.
Muatiânvua disse que Lutamos se incomodava porque naquela área em que estavam tudo indicava que os trabalhadores só podiam ser cabindas. Ele (Muatiânvua) pensava que isso não devia ser levado em consideração. Entendia que, se os homens colaboravam com os tugas eram traidores, e assim sendo não devia haver discussões entre os guerrilheiros.
(...)
Podemos concluir que Lutamos era cabinda ou pertencia a uma tribo aliada aos cabindas. Muatiânvua prosseguiu dizendo que se os trabalhadores fossem lundas ou kimbundos traidores, do mesmo modo os camaradas não deveriam pestanejar.
Lutamos lembrou que havia trabalhadores que eram obrigados a executar os serviços exigidos pelos exploradores colonialistas... Citou operações da Diamang (a exploração de diamantes organizada pelos imperialistas em Angola) e da Cotonang (empresa que dominava a exploração e beneficiamento do algodão na província de Malanje, submetendo os habitantes locais a penosas tarefas e jornadas).
Muatiânvua o interrompeu dizendo que o longo tempo de guerra já havia sido suficiente para definir bem a posição de cada um dos angolanos. Aqueles que até o momento ainda não haviam se posicionado a favor da guerrilha era porque eram contra ela.
O guerrilheiro emendou que estavam perto do Congo... Podia ser mesmo que os que trabalhassem na extração da madeira ouvissem a programação da rádio dos rebeldes. Certamente sabiam que a exploração em curso era imperialista. Então por que não se juntavam ao movimento de libertação?
(...)
Podemos notar que as palavras de Muatiânvua eram favoráveis à execução dos que fossem encontrados trabalhando para os tugas.
Mais adiante o autor nos dará a conhecer um pouco mais da personalidade desses homens...
No momento vale levar em consideração que as discussões entre os guerrilheiros eram permeadas por suas opiniões sobre “as tribos dos outros”. Seus debates revelam limitações, incoerências e preconceitos.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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