Helena contou o sonho sobre sua ida para o Céu à Mãe Tina. Podemos imaginá-la fazendo sua narração dramática.
Certamente ela conseguiu expressar todo o seu horror e indignação. A negra explicou-lhe que aquilo se devia ao fato de a menina ter se impressionado com as narrativas que ouvira dela própria a respeito dos caminhos para o Céu, que são sempre cheios de espinhos. Bem diferente seria o “caminho limpo” que pode nos levar ao inferno.
Na opinião de Mãe Tina, a pequena havia invertido tudo em seu sonho.
(...)
Nos mesmos registros de 27 de outubro de 1894, Helena
conta sobre outros sonhos que tinha com certa frequência.
Num deles ela se via assistindo à missa na igreja da Sé “em fralda de
camisa”! Outro muito comum era um em que ia para a escola descalça e ficava sem
ter como se esconder.
Havia também sonhos que podem ser considerados
maravilhosos. Voar sem asas por sobre as casas ou em direção à Boa Vista era
algo que a agradava muito. Também gostava de sonhar que estava num rico palácio
“como a menina dos anõezinhos”. Ou então que passava por um canteiro com pés de
amendoim que ela arrancava um a um para recolher moedas de suas raízes.
Na última noite Helena havia tido outro de seus sonhos medonhos. Ela
tinha “virado macaca”! A certa altura do devaneio ela nem se importava mais com
seu aspecto. O problema era o imenso rabo.
Mãe Tina já não vivia, senão a menina perguntaria o significado para ela
com toda certeza.
Ao mesmo tempo Helena se arrisca a explicar o pesadelo. Aquilo só podia
ter ocorrido porque no jantar do dia anterior falaram muito de um macaco de Siá
Ritinha, que andava aprontando pela vizinhança.
(...)
A propósito do último sonho (em que Helena se via com aspecto de macaco
de longuíssima cauda), é interessante conhecer os registros de 12 de abril de
1894, ou seja, de seis meses antes.
A menina conta que havia
conversado com o padre Neves a respeito da teoria de que os homens se
originaram dos macacos. Um de seus primos havia lhe dito, e ela quis saber o
que o padre tinha a dizer.
O religioso respondeu que
era “um grande pecado ouvir essas coisas”. Será que ela não conhecia a
narrativa da Sagrada Escritura? Não conhecia a história de Adão e Eva, o
Paraíso e tudo o mais criado por Deus?
Helena explica que
apenas ouviu o que o senhor padre tinha a dizer. Mas na ocasião em que redigia
o seu diário no referido dia argumentou que se ele conhecesse o macaco da
vizinhança seria capaz de acreditar na ideia exposta pelo primo.
Como sabemos, o macaco pertencia à Siá Ritinha. E a respeito dela,
Helena diz que todos a tinham por ladra que vivia a furtar galinhas.
Essa Siá Ritinha tinha
muita consideração por dona Carolina e o seu Alexandre, por isso não gostava de
lesá-los. Sempre que faltava uma de suas galinhas era certo que logo a Siá
Ritinha os visitaria.
A negra conversava naturalmente até ouvir de dona Carolina
a queixa sobre o desaparecimento da ave. Ritinha lamentava e dizia que aquilo
era uma pouca-vergonha. Emendava que também haviam roubado as dela e que já não
aguentava mais tantos furtos na vizinhança.
Mas sempre acontecia que, logo depois de terminada a visita, a galinha
sumida voltava a aparecer.
Para Helena, Siá Ritinha devolvia porque gostava de seus pais. Se fosse
de outro, já estaria no papo.
(...)
O que nos interessa é tratar do macaco da Siá Ritinha. De acordo com
Helena, ela o havia treinado para furtar também.
Mas a este respeito reservamos a próxima
postagem.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_30.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto