Helena contou o sonho sobre sua ida para o Céu à Mãe Tina. Podemos imaginá-la fazendo sua narração dramática.
Certamente ela conseguiu expressar todo o seu horror e indignação. A negra explicou-lhe que aquilo se devia ao fato de a menina ter se impressionado com as narrativas que ouvira dela própria a respeito dos caminhos para o Céu, que são sempre cheios de espinhos. Bem diferente seria o “caminho limpo” que pode nos levar ao inferno.
Na opinião de Mãe Tina, a pequena havia invertido tudo em seu sonho.
(...)

Num deles ela se via assistindo à missa na igreja da Sé “em fralda de
camisa”! Outro muito comum era um em que ia para a escola descalça e ficava sem
ter como se esconder.
Havia também sonhos que podem ser considerados
maravilhosos. Voar sem asas por sobre as casas ou em direção à Boa Vista era
algo que a agradava muito. Também gostava de sonhar que estava num rico palácio
“como a menina dos anõezinhos”. Ou então que passava por um canteiro com pés de
amendoim que ela arrancava um a um para recolher moedas de suas raízes.
Na última noite Helena havia tido outro de seus sonhos medonhos. Ela
tinha “virado macaca”! A certa altura do devaneio ela nem se importava mais com
seu aspecto. O problema era o imenso rabo.
Mãe Tina já não vivia, senão a menina perguntaria o significado para ela
com toda certeza.
Ao mesmo tempo Helena se arrisca a explicar o pesadelo. Aquilo só podia
ter ocorrido porque no jantar do dia anterior falaram muito de um macaco de Siá
Ritinha, que andava aprontando pela vizinhança.
(...)
A propósito do último sonho (em que Helena se via com aspecto de macaco
de longuíssima cauda), é interessante conhecer os registros de 12 de abril de
1894, ou seja, de seis meses antes.
A menina conta que havia
conversado com o padre Neves a respeito da teoria de que os homens se
originaram dos macacos. Um de seus primos havia lhe dito, e ela quis saber o
que o padre tinha a dizer.
O religioso respondeu que
era “um grande pecado ouvir essas coisas”. Será que ela não conhecia a
narrativa da Sagrada Escritura? Não conhecia a história de Adão e Eva, o
Paraíso e tudo o mais criado por Deus?
Helena explica que
apenas ouviu o que o senhor padre tinha a dizer. Mas na ocasião em que redigia
o seu diário no referido dia argumentou que se ele conhecesse o macaco da
vizinhança seria capaz de acreditar na ideia exposta pelo primo.
Como sabemos, o macaco pertencia à Siá Ritinha. E a respeito dela,
Helena diz que todos a tinham por ladra que vivia a furtar galinhas.
Essa Siá Ritinha tinha
muita consideração por dona Carolina e o seu Alexandre, por isso não gostava de
lesá-los. Sempre que faltava uma de suas galinhas era certo que logo a Siá
Ritinha os visitaria.
A negra conversava naturalmente até ouvir de dona Carolina
a queixa sobre o desaparecimento da ave. Ritinha lamentava e dizia que aquilo
era uma pouca-vergonha. Emendava que também haviam roubado as dela e que já não
aguentava mais tantos furtos na vizinhança.
Mas sempre acontecia que, logo depois de terminada a visita, a galinha
sumida voltava a aparecer.
Para Helena, Siá Ritinha devolvia porque gostava de seus pais. Se fosse
de outro, já estaria no papo.
(...)
O que nos interessa é tratar do macaco da Siá Ritinha. De acordo com
Helena, ela o havia treinado para furtar também.
Mas a este respeito reservamos a próxima
postagem.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_30.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto