domingo, 16 de abril de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – os registros de 26 de julho de 1894; dona Teodora e sua interpretação a respeito das superstições – segunda parte; os registros de 28 de julho de 1894; encontro das tias na chácara de dona Teodora; entretenimento e fartura; a surpreendente chegada de Maria Pequena e sua filha Aída; uma triste história de final feliz

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley.html antes de ler esta postagem:

Certa vez Helena perguntou à sua avó por que ela tinha tantas superstições se não gostava de pecar e sabia que não era correto acreditar nelas. Dona Teodora explicou que as superstições eram coisas que “a gente nasceu com elas”.
Na sequência, dona Teodora contou que em sua vida teve muitas provas de que não se deve brincar com as superstições. Ela garantiu que “treze pessoas numa mesa” significava que no prazo de um ano uma delas morreria.
Depois ela falou sobre os problemas que a “quebra de espelho” podia causar. Disse que na casa de certo Henrique aconteceram muitas desgraças depois da queda de um espelho que se espatifou no chão.
Evidentemente as crenças e os casos que podiam ser relacionados às superstições deixavam as pessoas ressabiadas. De acordo com a avó de Helena, era o medo que levava as pessoas a não abusarem.
Ela falou que os padres diziam que crer em superstições é pecado. Mas para ela, também eles acreditavam. E completou dizendo que “a voz do povo é voz de Deus”.
Helena respondeu à avó que de sua parte não acreditaria nessas coisas porque entendia que, se era pecado, era porque Deus vê que é absurdo.
Dona Teodora concordou. Era bom que a neta não desse crédito a muitas delas, que eram bobagens. Mas acrescentou que “algumas são certas e não se deve abusar”, “com treze pessoas na mesa e espelho quebrado não se pode facilitar”.
(...)
Helena lembrou que estava para completar quatorze anos e que já raciocinava mais do que todos da família. Entendia que desde os dez anos já pensava com autonomia.
Estranhava que as pessoas da família de sua mãe dessem crédito às superstições. Ouviam as coisas e acreditavam para sempre, sem questionar.
A menina finalizou o texto com um “são todos felizes assim!”

(...)

No registro de 28 de julho de 1894, Helena trata de uma situação ocorrida na noite anterior, durante a reunião das tias na chácara de dona Teodora.
Essas reuniões eram muito comuns. As tias se encontravam periodicamente, e quase sempre às sextas-feiras. Nessas ocasiões, Dindinha mandava fazer “um judeu” que, como devemos saber, é o nome que davam às refeições das bem servidas. Evidentemente as crianças não perdiam esses encontros, pois podiam brincar e comer à vontade.
A garota destaca que normalmente serviam angu (a base de fubá, água e sal) com frango, quiabo e molho pardo. Tudo muito simples, mas de ótimo sabor. As negras também preparavam “caruru com carne de porco ou tomatada”. Além do quiabo, a couve era outro ingrediente que não faltava à mesa dos familiares de dona Teodora.
(...)
Helena lembra que naquela noite, Generosa resolveu cozinhar talos de couve com toucinho. O resultado foi um guisado que todos apreciaram.
A família jantava tranquilamente, quando uma mulher entrou sem que se anunciasse e foi logo passando para a cozinha. Atrás dela caminhava uma criança pequena, filha da intrusa.
Helena notou que sua mãe e também as tias conheciam a mulher, pois no mesmo instante disseram que se tratava de Maria Pequena. Todas se levantaram e foram ter com ela na cozinha.
Maria Pequena começou a contar o que havia acontecido a ela e à sua filha, Aída (sem dúvida, um belo nome) na Mata do Rio. Os senhores para quem trabalhava eram maus e suas filhas colocavam pimenta nos olhos da pequena Aída quando ela estava sonolenta e sem condições de trabalhar à noite.
Muitas outras afrontas sofridas foram narradas pela mulher, mas Helena não as registrou. Escreveu apenas que era difícil acreditar em tanta maldade. Dona Teodora disse que Maria devia parar de chorar, pois ela poderia se instalar na chácara.
(...)
Tempos atrás dona Carolina havia falado a respeito dessa Maria Pequena.
Como sabemos, depois da morte de seu Batista, houve uma divisão de seus escravos entre os filhos. Foi o tio Geraldo que acabou ficando com A Maria Pequena e a menina Aída.
Aconteceu que a esposa de Geraldo cismou com a escrava e convenceu-o a vendê-la para uma fazenda da Mata do Rio. Logo que dona Carolina soube do fato, pediu ao seu Alexandre que a comprasse.
Até mesmo dona Teodora quis adquiri-la e sugeriu pagar mais do que o valor que a levara para a Mata do Rio. Porém não saiu negócio porque o homem já havia renegociado os seus escravos.
Dona Teodora não gostava nem mesmo de ouvir falar a respeito. Já dona Carolina não perdoava o irmão por ter permitido que a esposa implicasse tanto.
(...)
A própria Maria Pequena disse às tias de Helena que após o 13 de Maio passou um bom tempo juntando dinheiro para retornar às terras de dona Teodora. Esperava reencontrá-la com saúde.
Como se vê, o final desse caso foi feliz.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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