Helena curtiu a sua meninice, observou os afazeres dos que lhe eram próximos e entendeu que a sua formação estava vinculada a todos os que a cercavam.
É verdade que seu círculo social não era dos maiores. Familiares e os negros e negras agregados desde o fim da escravidão...
O cotidiano marcado pela vida simples dos mineiros e da gente camponesa seguia o ritmo lento, pontuado pelas festividades e rituais católicos.
(...)
Em algum momento as considerações sobre os registros
de 27 de outubro de 1894 do diário de Helena Morley teriam que aparecer por
aqui.
Naquele longínquo sábado a menina escreveu sobre os sonhos, seus
mistérios e as interpretações que suscitavam.
No início de sua produção textual, ela faz referência
à história de José do Egito, que interpretava sonhos como ninguém. Certamente
não lhe saía da cabeça o modo como ele desvendou o sonho do faraó sobre as sete
vacas gordas e as sete magras...
Sete anos de fartura e outros de sete de fome. Tudo se encaixava tão bem
que certamente os sonhos que temos cotidianamente também têm explicações e
podem ser interpretados.
Na época em que tinha bem menos idade, Helena dava ouvidos às negras que
viviam na chácara. Eram elas que explicavam os sonhos e seus significados. Mas
houve a ocasião em que elas a amedrontaram a respeito do “pecado de achar padre
feio” (ainda trataremos a respeito do episódio de sua Primeira Comunhão, quando
a polêmica ocorreu).
(...)
Mãe Tina era a negra que mais falava a respeito dos sonhos e dava
conselhos.
Helena lamenta que muitos sonhos eram esquisitos e, por não os entender,
angustiava-se. O tempo passou e com isso as explicações de Mãe Tina se tornaram
muito simplórias para ela.
A garota lembra que sempre
que contava sobre seus sonhos, Mãe Tina dizia que “sonho é a alma que não dorme
como o corpo e fica pensando. Se a gente é boa e vive com Deus o sonho é bom;
se está com pecado mortal o sonho é ruim”.
Helena entendia que alguns
de seus sonhos eram muito ruins. Então só podia estar em “pecado mortal”! Não
desejava a ninguém aquele tipo de angústia. Era contá-los à Mãe Tina e ela a
colocava de joelhos para rezar.
Qual seria o seu “pecado
mortal”? Ela não podia saber. Então
ficava a imaginar que talvez fosse a inveja ou gula. Pensava assim e começava a
se tranquilizar ao prometer a si mesma e a Deus que iria se corrigir.
(...)
Nos mesmos registros, Helena cita os seus medos e o quanto os sonhos
podiam se relacionar com eles. Sentia pavor do modo como lhe “pintavam” o
inferno. Não conseguia se aquietar depois de ouvir “histórias de almas do outro
mundo”! As negras sabiam de casos de lobisomem e mula sem cabeça. Coisas
medonhas mesmo.
Sonhar com jabuticabas
significava que alguém conhecido morreria. Evidentemente isso suscitava dúvidas!
Não era tudo o que as negras falavam que dava certo!
Elas diziam que sonhar com piolhos significava que
logo se ganharia algum dinheiro. Com isso Helena concordava porque ela mesma
pudera confirmar algumas vezes.
(...)
Um dos sonhos mais apavorantes que Helena teve, e que não deixou de
contar à Mãe Tina, foi o que ela percebeu que havia morrido e ido para o Céu. O
problema é que em seu sonho o Céu era horrível. Nele se levava uma vida muito
triste.
Mas o que era o Céu no sonho de Helena?
“Era um terreiro enorme e muito limpo”. Por todo lado viam-se mulheres
velhas com seus pesados casacos e mantilhas na cabeça. Passavam o tempo todo a
rezar sem que dessem a menor importância umas às outras.
Nada de São Pedro ou de anjos. Apenas a velharia a rezar. Quando não
estavam ajoelhadas, andavam cabisbaixas de um lado para outro compenetradas em
suas orações.
O maior alívio foi ter despertado desse sonho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_88.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto