Encontrar-se frente a frente com um soldado (que está preparado para matar) no meio da mata e em pleno tiroteio é algo que nenhum jornalista correspondente de guerra quer vivenciar.
Para Kapuscinski, o pior seria se aquele militar pertencesse às tropas salvadorenhas. Ele e os demais repórteres haviam aprendido com a propaganda hondurenha que eles eram tipos cruéis e que, em plena batalha, não vacilavam ao fuzilar os que “lhes caíam nas mãos”. Nem mesmo os ingleses e americanos se sentiam garantidos e poupados no caso de serem capturados pelos salvadorenhos.
Com desgosto, o polonês lembrou-se de que em Nacaome havia visto “o corpo de um missionário americano massacrado por salvadorenhos”.
(...)
Kapuscinski percebeu que também o soldado parecia
assustado... O tipo era escuro e tinha uniforme e capacete camuflados com
folhagens... Sua magreza denunciava precariedade, mas evidentemente o mauser
que carregava o colocava em vantagem na situação.
O jornalista apressou-se a perguntar a respeito do exército do qual o
jovem fazia parte... Ao notar que o estranho não pertencia a nenhum dos dois
países em confronto, o soldado se sentiu à vontade para responder. Tratava-se
de soldado das tropas hondurenhas.
A resposta trouxe alívio a Kapuscinski... Chamou o
outro de “irmão querido” ao mesmo tempo em que lhe mostrou a autorização
emitida pelo comandante do exército de Honduras, o coronel Ramires Ortega.
O papel, cada um dos correspondentes estrangeiros possuía o seu, era
como que um “salvo conduto” para percorrer as zonas de combate no país.
Kapuscinski foi dizendo que precisava ser levado até Santa Rosa e depois para
Tegucigalpa, onde tinha de encaminhar telegrama para Varsóvia.
Também o soldado imaginou
que aquilo era a “sorte grande”, já que o documento o colocaria a serviço do
gringo... Aquilo era ordem expressa do próprio comandante do exército.
Significava que ao “conduzir o repórter estrangeiro” poderia se afastar do
front. E bastaria que Kapuscinski dissesse ao seu superior que ele devia acompanhá-lo.
A atmosfera era das piores... Tremendo cheiro de
pólvora e barulho ensurdecedor de armas de fogo... Certamente o rapaz não tinha
a menor ideia dos motivos da guerra... Não sabia por que estava ali atirando a
esmo e fugindo de rajadas inimigas...
A oportunidade era esplêndida!
(...)
Kapuscinski e o soldado
estavam deitados no chão...
No ponto onde estavam
podia-se concluir que mais acima se localizava a curva onde os repórteres
tiveram de saltar do caminhão... O grupamento do rapaz subia naquela direção,
mas não era uma subida uniforme, pois a tropa tinha de recuar diversas vezes.
Os dois podiam
avistar os pés dos soldados... Então o moço comentou a respeito da grande
quantidade de solas de botas... Disse isso destacando que toda a sua família
(ele tinha nove filhos) vivia de pés descalços.
(...)
Os tiros cessaram...
O rapaz solicitou a
Kapuscinski que o aguardasse porque estava decidido a retornar ao local onde a
tropa havia entrado em confronto, Ele tinha certeza de que encontraria muitos
mortos. Sua ideia era extrair e esconder alguns pares de botas dos cadáveres. Depois
que a guerra chegasse ao fim tentaria trocar cada par de botas por três pares
de calçados infantis.
Kapuscinski tentou dissuadi-lo da ideia e dizer
que, estando sob seu comando, o moço devia obedecê-lo. Mas o jovem estava
decidido e, pelo visto, começara a enxergar uma motivação para “prosseguir na
guerra”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto