Kapuscinski viu-se numa complicada situação.
Sabia que se não acompanhasse o soldado desconhecido voltaria a ficar sozinho e sem saber qual direção tomar... Não se tratava de drama qualquer, principalmente porque não tinha a menor ideia de qual dos dois exércitos havia se tornado “senhor da área”.
(...)
Decidiu acompanhar o jovem.
Percebeu que conforme avançavam os sons do confronto cresciam.
Chegaram às proximidades de um morteiro rodeado de
cadáveres. O polonês exigiu que o rapaz resolvesse a coleta de botas ali mesmo,
pois não aceitaria avançar mais.
O soldado entregou-lhe o fuzil e saiu em disparada na direção dos
mortos. O perigo de aparecer um salvadorenho com granadas era real, então
restou a Kapuscinski torcer para que não fossem avistados pelos inimigos.
Enquanto o jornalista pensava apenas em se arrastar
para um local seguro, o soldado tratou de esconder o espólio conquistado. O
moço esforçou-se para mentalizar o esconderijo, assim poderia reencontrá-lo ao
final da guerra.
(...)
Uma chuva fina caía sobre a floresta... Os dois procuraram se afastar
das áreas que consideravam muito próximas das “operações militares”.
É provável que estivessem na região de fronteira com a Guatemala...
Kapuscinski pensou que mais à frente estava o México e que mais adiante ainda
estariam os Estados Unidos... Naquele instante, as pessoas desses países
levavam uma vida normal... Saberiam que Honduras e El Salvador travavam um
conflito bélico?
Pelo menos para o polonês, a ideia de que a televisão pudesse transmitir
guerras e seus horrores “no calor da hora” era algo distante... Ele pensou a
respeito dos profissionais que trabalham em mesas de edição e concluiu que,
para eles, uma guerra é algo que se aproxima de um espetáculo.
A realidade é completamente diferente! O distanciamento dos que
repercutem uma guerra através dos diversos meios de comunicação com sede nos
grandes centros não permite que eles tenham noção dos reais problemas de um
soldado.
Desumana é a condição
daquele que deve estar atento aos menores movimentos à sua volta... Em ação, na
maioria das vezes, ele mal consegue enxergar a ponta do nariz, pois seus olhos
permanecem cobertos de poeira e suor.
Kapuscinski sabia que o
soldado em batalha normalmente tem pouco a dizer. Na maioria das vezes ele se
manifesta através de gestos... Sua proximidade com a morte (dos outros e a sua)
o torna um tipo marcado para sempre... Ele jamais se esquecerá do sufoco
experimentado nas trincheiras ou nos pisos das florestas que teve de rastejar.
(...)
Kapuscinski perguntou
ao soldado a respeito dos motivos da guerra contra El Salvador... O jovem não
tinha resposta. Disse que aquilo se tratava de “assunto de governo”.
Depois o polonês quis saber como é que alguém se dedica a lutar,
arriscando a própria vida, sem saber os motivos... O soldado disse que era um
camponês e que vivia num vilarejo onde as pessoas não ousam fazer perguntas
desse tipo, pois isso “chama a atenção do prefeito”... Emendou que, para os “questionadores”,
havia sempre uma punição imposta pelas autoridades. E na maior parte dos casos
isso significava ser deslocado para o trabalho em obras públicas. Dessa forma
ficava-se sem ter como se dedicar à sua pouca terra.
Em síntese, o jovem soldado
queria dizer que “falar demais” resultava em dificuldades para toda a família.
A conclusão era óbvia... O camponês devia viver
modestamente e sem chamar a atenção dos poderosos. Os “assuntos de governo”
deviam permanecer nas altas esferas...
Kapuscinski entendeu que, para o rapaz, camponeses como ele deviam
permanecer sem consciência definida sobre a realidade que vivenciam.
E mais: Nenhuma autoridade se importava com a
situação campesina ou pretendia alterá-la.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto