sábado, 16 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – “socialista sentimental” e “esquerdista de coração”; imaturidade política, conspirações, prisões e exílio durante o governo Ben Bella

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_15.html antes de ler esta postagem:

Ainda em defesa de Ben Bella, Kapuscinski afirma que ele não era ortodoxo e estava aberto a novos conceitos... Não era defensor ferrenho desta ou daquela posição doutrinária... Sua formação não se baseou em nenhuma escola com fundamentação ideológica... Engajou-se na luta contra o colonialismo porque desejou que seu país fosse livre.
Defendendo essa causa acabou preso... Pode-se dizer que quando chegou ao poder, amparado pela aliança com Boumédiène, seu entendimento sobre política se alinhava mais à direita... Conforme vivenciou o exercício político na presidência da Argélia aproximou-se instintivamente de um modelo que não agradava os mais conservadores... Diziam que ele se tratava de um “socialista sentimental” e “esquerdista de coração” porque passou a admirar o Socialismo... Ao que tudo indica, é por isso que ele não desprezava a companhia dos comunistas argelinos.
Ben Bella não pestanejou ao introduzir alterações em situações e costumes conservadores de seu país... Ao investir boa parte do orçamento em educação, possibilitava formação aos mais jovens; fez de tudo para garantir que os camponeses (felás) ficassem livres das explorações dos senhores ricos; “libertou escravos e lutou pelos direitos das mulheres” (pág. 126 de A Guerra do Futebol)...
Há o registro sobre o lamento de mulheres que ao saberem do golpe de 19de junho trajaram luto porque acreditavam que a manobra contra Ben Bella poderia levar os homens a trancá-las em casa...
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Ao que tudo indica, Ben Bella passou a maior parte de seu governo lutando contra os oposicionistas... Pouco tempo sobrava para o trabalho em projetos sociais que acreditava.
Pelo visto a solução encontrada para derrotar os que lhe faziam oposição era persegui-los implacavelmente... Invariavelmente, os que não terminavam na prisão se mudavam para outro país.
Kapuscinski considera que faltava maturidade política para Ben Bella e seus adversários... As ameaças de golpe, tanto as reais quanto as que não passavam de boataria, foram uma constante... Antigos companheiros, homens que se tornaram importantes no governo e conhecidos por terem participado das lutas pela emancipação do país se tornavam notícia por terem seus nomes ligados a movimentos rebeldes. Muitos que foram detidos e condenados (inclusive à morte) só conseguiram a liberdade porque fugiram da prisão e se mudaram para o exterior.
Entre os que foram afastados de seus cargos ou detidos por ordem de Ben Bella destacam-se: Mohamed Khider (afastado do FLN, onde tinha a função de secretário geral, por fazer oposição direta ao governo); Mohamed Boudiaf (havia sido ministro e vice-presidente do GPRA, acusado de tentar um golpe de estado, foi preso); Aït Ahmed (líder cabílio, recusou-se a participar do governo; foi preso por fazer oposição ferrenha e incentivar sua comunidade ao conflito aberto); Ferhat Abbas (presidia a Assembleia Nacional e foi afastado por fazer oposição ao FNL); Rabah Bitat (vice de Ben Bella, também foi afastado por fazer-lhe oposição); el-Hazdi (coronel afastado sob acusação de fomentar a rebelião na Cabília).
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Como se pode depreender, muita gente influente entendia que o governo Ben Bella era insatisfatório... Sem negociação, a intolerância ganhava espaço e dava margem para conspirações diversas... A agitação política não diminuía e é certo que muitos golpes anunciados eram mais do que boatos... Assim, as prisões ficaram abarrotadas também de “oposicionistas de segunda linha”.
O próprio Ben Bella colocava-se acima do FNL... Para Kapuscinski, faltava disciplina partidária. Segundo ele, essa situação impedia que os problemas da nação fossem pensados. O panorama levou-o a vaticinar que o amadurecimento político da nação levaria muitos anos.
Não havia um sistema ideológico definido... As lideranças rejeitavam o Capitalismo (pelo menos ninguém o admitia publicamente)... O Socialismo era conhecido superficialmente... Não se pode dizer que o regime favorecesse o Islamismo Ortodoxo.
Nem governo nem oposicionistas tinham uma concepção política clara... Rejeitavam certas premissas, mas isso era pouco. Havia muitos pontos de vista divergentes e eles eram colocados em preeminência... Como poderiam negociar sem discutir objetivos comuns? Talvez por isso os embates passassem para “o campo dos conflitos pessoais”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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