Os conflitos entre argelinos e franceses duraram sete anos e meio... Para Kapuscinski, o povo outrora colonizado destacou-se por seu heroísmo e patriotismo... Já as tropas francesas, que possuíam equipamentos bélicos avançadíssimos, atuaram com perversidade extremada ao atacarem camponeses (fellahs), seu gado e campos cultivados...
Apesar de toda superioridade francesa, foram os argelinos que se saíram vencedores... Porém a conquista da independência teve preço altíssimo... Os ataques com napalm elevaram a quantidade de mortos a mais de um milhão, muitos deles queimados vivos... Todos se tornaram mártires (chuhada) da resistência...
Florestas inteiras foram arrasadas e a destruição dos campos provocou a migração de milhões de camponeses para as cidades. Cerca de três milhões foram expulsos dos seus povoados... Eles foram transferidos para reservas ou outras terras... Quatrocentos mil amargaram o cárcere... Cerca de trezentos mil se refugiaram na Tunísia ou no Marrocos.
(...)
Se por um lado a resistência aos colonizadores foi
fator de unidade do povo argelino (veremos que essa unidade não foi absoluta), a
migração que ocorreu na sequência pode explicar o “desbaratamento” da desejada unificação
popular.
Obviamente a migração foi desordenada... As cidades passaram a abrigar
30% da população do país... Evidentemente os maiores centros não estavam
preparados para essas mudanças e inúmeras famílias passaram a amargar a miséria
e o desemprego. Mesmo assim elas não tinham como retornar para vilarejos totalmente
destruídos.
Essa situação piorou porque aprofundou antigas
diferenças sociais... Os esforços de unidade e de superação do atraso econômico
esbarraram na realidade que se revelava caótica.
O quadro social argelino sempre foi marcado pela heterogeneidade
caracterizada por muitos grupos étnicos, diferentes seitas religiosas, tribos,
clãs... Os estratos sociais não eram poucos... A guerra juntou-os num só
objetivo... Mas logo que ela terminou o “mosaico social” se revelou complexo
demais e carregado de divergências...
(...)
Kapuscinski insiste que a falta de “unidade coesa” impedia qualquer
integração... Ele destacou a montanhosa região da Cabília* (norte da Argélia),
onde tribos locais se revoltavam desde os tempos coloniais...
* Após a
independência da Argélia, a Cabília foi
palco
de levantes que mobilizaram o governo Ben
Bella.
Essa região permanece tensa até os dias
atuais.
atuais.
(...)
Mas “unidade coesa” era improvável... O final dos conflitos resultou em
desentendimentos marcados por profundas rivalidades... Principalmente nos
primeiros anos da década de 1960...
Até mesmo entre os que
combateram os colonialistas havia divisões... Uma parte deles atuou a partir do
estrangeiro. Esse era o caso de vários companheiros Ben Bella... Outros, que se
tornaram guerrilheiros na própria Argélia, sofreram inúmeras baixas (cerca de
trezentas mil). Os que apoiavam esse segundo grupo exigiam maiores mudanças e
não viam com bons olhos os que se tornaram proeminentes apenas por ocasião das
assinaturas que selaram a independência.
(...)
Ainda temos que considerar
que a França havia recrutado argelinos para combater os que se engajaram na
resistência... Numa mesma vila havia argelinos que lutaram pela libertação e compatriotas
que defenderam as tropas francesas... Esse tipo de antagonismo aconteceu até em
famílias que viram irmãos combatendo pelos dois lados.
Kapuscinski cita
fragmentos de Jules Roy (extraídos de A
Guerra na Argélia) que ilustram a situação destacada anteriormente:
Em
Trujii, não há uma só família que não estivesse dividida e que não tivesse de
fazer acordos, ora com a FNL (Front de Libération National), ora com o exército
francês (...) em certas famílias, um dos membros juntou-se aos rebeldes
enquanto outro fazia parte do exército francês (...) Por que havia argelinos a
serviço dos franceses? Porque lá se recebia soldo e um pedaço de pão (...) Será
que essa divisão irá desaparecer quando vier a paz? O exército acredita que
não; pelo contrário, acha que vai aumentar (...) Como não compartilhar esse
temor? Em Trujii, trinta homens servem o exército francês e, todas as noites,
preparam emboscadas para seus irmãos guerrilheiros.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto