segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – guerra de independência da Argélia, destruição e martírio; migrações e aumento das demandas sociais; rivalidades pós-independência; fragmentos de “A Guerra na Argélia”, de Jules Roy

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_2.html antes de ler esta postagem:

Os conflitos entre argelinos e franceses duraram sete anos e meio... Para Kapuscinski, o povo outrora colonizado destacou-se por seu heroísmo e patriotismo... Já as tropas francesas, que possuíam equipamentos bélicos avançadíssimos, atuaram com perversidade extremada ao atacarem camponeses (fellahs), seu gado e campos cultivados...
Apesar de toda superioridade francesa, foram os argelinos que se saíram vencedores... Porém a conquista da independência teve preço altíssimo... Os ataques com napalm elevaram a quantidade de mortos a mais de um milhão, muitos deles queimados vivos... Todos se tornaram mártires (chuhada) da resistência...
Florestas inteiras foram arrasadas e a destruição dos campos provocou a migração de milhões de camponeses para as cidades. Cerca de três milhões foram expulsos dos seus povoados... Eles foram transferidos para reservas ou outras terras... Quatrocentos mil amargaram o cárcere... Cerca de trezentos mil se refugiaram na Tunísia ou no Marrocos.
(...)
Se por um lado a resistência aos colonizadores foi fator de unidade do povo argelino (veremos que essa unidade não foi absoluta), a migração que ocorreu na sequência pode explicar o “desbaratamento” da desejada unificação popular.
Obviamente a migração foi desordenada... As cidades passaram a abrigar 30% da população do país... Evidentemente os maiores centros não estavam preparados para essas mudanças e inúmeras famílias passaram a amargar a miséria e o desemprego. Mesmo assim elas não tinham como retornar para vilarejos totalmente destruídos.
Essa situação piorou porque aprofundou antigas diferenças sociais... Os esforços de unidade e de superação do atraso econômico esbarraram na realidade que se revelava caótica.
O quadro social argelino sempre foi marcado pela heterogeneidade caracterizada por muitos grupos étnicos, diferentes seitas religiosas, tribos, clãs... Os estratos sociais não eram poucos... A guerra juntou-os num só objetivo... Mas logo que ela terminou o “mosaico social” se revelou complexo demais e carregado de divergências...
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Kapuscinski insiste que a falta de “unidade coesa” impedia qualquer integração... Ele destacou a montanhosa região da Cabília* (norte da Argélia), onde tribos locais se revoltavam desde os tempos coloniais...

                                                         * Após a independência da Argélia, a Cabília foi
                                                         palco de levantes que mobilizaram o governo Ben
                                                         Bella. Essa região permanece tensa até os dias
                                                         atuais.

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Mas “unidade coesa” era improvável... O final dos conflitos resultou em desentendimentos marcados por profundas rivalidades... Principalmente nos primeiros anos da década de 1960...
Até mesmo entre os que combateram os colonialistas havia divisões... Uma parte deles atuou a partir do estrangeiro. Esse era o caso de vários companheiros Ben Bella... Outros, que se tornaram guerrilheiros na própria Argélia, sofreram inúmeras baixas (cerca de trezentas mil). Os que apoiavam esse segundo grupo exigiam maiores mudanças e não viam com bons olhos os que se tornaram proeminentes apenas por ocasião das assinaturas que selaram a independência.
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Ainda temos que considerar que a França havia recrutado argelinos para combater os que se engajaram na resistência... Numa mesma vila havia argelinos que lutaram pela libertação e compatriotas que defenderam as tropas francesas... Esse tipo de antagonismo aconteceu até em famílias que viram irmãos combatendo pelos dois lados.
Kapuscinski cita fragmentos de Jules Roy (extraídos de A Guerra na Argélia) que ilustram a situação destacada anteriormente:

Em Trujii, não há uma só família que não estivesse dividida e que não tivesse de fazer acordos, ora com a FNL (Front de Libération National), ora com o exército francês (...) em certas famílias, um dos membros juntou-se aos rebeldes enquanto outro fazia parte do exército francês (...) Por que havia argelinos a serviço dos franceses? Porque lá se recebia soldo e um pedaço de pão (...) Será que essa divisão irá desaparecer quando vier a paz? O exército acredita que não; pelo contrário, acha que vai aumentar (...) Como não compartilhar esse temor? Em Trujii, trinta homens servem o exército francês e, todas as noites, preparam emboscadas para seus irmãos guerrilheiros.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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