Vimos que o Exército de Libertação Nacional comandado por Boumédiène permaneceu por um bom tempo impossibilitado de atravessar as barreiras instaladas nas fronteiras “inexpugnáveis” tanto da Tunísia (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_12.html) como no Marrocos...
Seus soldados estavam prontos a se dedicar também à luta política... Aliás, esse era o tipo de formação que as tropas revolucionárias recebiam... Numa das mãos o fuzil, e na outra a “bandeira de agitador”...
Os mais experientes integrantes do Governo Provisório e da FNL avaliavam os comandados de Boumédiène com muita precaução... Não foi por acaso que às vésperas da independência procuravam desarmá-lo. No dia 2 de julho de 1962 pediram o afastamento do comandante e de todos os oficiais mais próximos a ele...
Kapuscinski dá a entender que nem aceitavam com total convicção a posse de Ben Bella!
Mas sabemos que os dois eram firmes em seus propósitos e sem a menor intenção de se afastar da vida pública... Então, de certa forma, foi natural que ocorresse uma aliança entre Boumédiène e Ben Bella... Sozinhos não teriam condições de vencer a situação... Juntos, “passaram a depender um do outro”.
(...)
Kapuscinski garante que a relação entre Ben Bella e o Governo Provisório
não era das mais afinadas... Em contrapartida, seu discurso em defesa do “conceito
de um exército politizado” atraía os comandados da armada chefiada por
Boumédiène... Seu Exército de Libertação Nacional era a “força coesa” na Argélia
dos primeiros anos de independência. Ficou entendido que a presidência do país
só poderia ser exercida por alguém que pertencesse ao Exército... Aos poucos, a
maioria concordou com o nome de Ben Bella...
O apoio do Exército foi fundamental para a sua posse, mas
desde então ficou claro que os militares estavam de olho nos atos do
presidente.
(...)
Kapuscinski discorda do modo como se referiram aos dois personagens aos
tempos do golpe... Em sua declaração “exaltada e demagógica” de 19 de junho de
1965 (dia do golpe), os golpistas descreveram Ben Bella como “um demônio”... O L’unitá chamou Boumédiène de “reacionário”...
Para o autor de A Guerra do
Futebol os dois eram patriotas e honestos... Contudo os países de “Terceiro
Mundo” pareciam padecer de dramas marcados pela luta de pessoas imbuídas de nobres
intenções (são citados Lumumba, Nehru, Nyerere e Sékou Touré), sempre
incompreendidas e alvos de críticas e conspirações.
Esses países, com passado marcado pela exploração colonialista, padeciam
de muitas outras dificuldades... Seus povos foram vilipendiados pelos
imperialistas e sofriam com o analfabetismo, o “fanatismo religioso, a cegueira
tribal, a fome crônica, o desemprego”...
(...)
Para Kapuscinski, o que estava acontecendo na Argélia parecia
sintomático do que ocorria nas demais nações de terceiro mundo...
As lideranças se percebiam
minúsculas perante todas as dificuldades que se lhe apresentavam... Não poucos
trilhavam a “estratégia da ditadura” para combater os males... Mas toda
ditadura sempre provoca oposições... E não raramente elas recorrem a golpes de
estado...
Então se tratava de um
ciclo... O atraso imposto àquelas nações havia produzido condições que as
levavam a regimes ditatoriais que se repetiam com certa regularidade.
(...)
Ben Bella havia governado
por três anos... Seus opositores garantiam que ele pouco fizera...
Kapuscinski não
compartilha dessa avaliação... Afirma que apesar de ser um tipo complexo e
instável, que nem sempre se mostrava coerente, Ben Bella era um dirigente
excepcional... A análise de algumas ações de sua administração interrompida dá
conta que ela foi positiva:
* Sua posse conciliou grupos com interesses opostos... Isso evitou a
continuidade de confrontos numa nação já tão sofrida com a guerra;
* O país passou por uma
reorganização complexa, dado que havia saído arrasado da guerra de independência...
Assim, a vida das pessoas retomou certa normalidade;
* A economia da Argélia estava se refazendo a partir
da nacionalização de terras e indústrias, e essa alternativa produzia bons
resultados;
* A Reforma Agrária estava em curso; sua experiência de Socialismo foi “ousada
e original”, pois preservou a “superestrutura islâmica”;
* A Argélia assumiu uma
condição de liderança... Tornou-se referência não apenas para os países
africanos, mas também para as demais “nações de terceiro mundo”;
* Com Ben Bella, a luta contra o imperialismo
tornou-se fortalecida.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto