Kapuscinski esclarece que a Argélia é um dos países africanos que por mais tempo esteve sob o domínio de uma potência europeia... Durante cento e trinta e dois anos, a França impôs o seu regime colonialista explorador das riquezas naturais e repressor da gente local. Para termos uma ideia, esse período só foi inferior aos da África do Sul (ambição de africânderes e britânicos), e de Moçambique e Angola (ainda dominados por Portugal nos anos 1960).
Em 1965 muitos tinham razões para acreditar que demoraria até que os argelinos se livrassem das profundas feridas deixadas pelo domínio francês. Não eram poucos os especialistas que suspeitavam que dificilmente as desavenças e contradições fossem superadas... Em meio à crise dos primeiros anos, um estudioso economista confessara a Kapuscinski que não entendia como o país conseguia “se manter de pé”.
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Um dos traços marcantes do passado colonial argelino
foi o fato de o país ter sido ocupado por muitos civis franceses... Além da
África do Sul, nenhum outro país africano recebeu tantos colonos europeus como
a Argélia (que chegou a abrigar cerca de um milhão e duzentos mil “pieds
noirs”, como ficaram conhecidos os franceses que se estabeleceram na
colônia)... É bem verdade que a distância entre metrópole e colônia facilitava a
emigração de europeus para o norte da África... Já por aqueles dias o voo
Paris-Argel não durava duas horas. Não foi por acaso que eles chegaram a
representar 10% da população!
É claro que houve intenso
êxodo “pied noir” logo que se estabeleceram os acordos que colocaram fim aos
conflitos e firmaram a independência argelina. Todavia os vínculos entre a
Argélia e sua antiga metrópole eram muito fortes. A comunicação sempre fora das
mais eficientes... Assim, o país se manteve muito ligado à França. E não apenas
economicamente.
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Quem visitava Argel nos primeiros anos após a
libertação constatava que a cidade tinha muito de francesa... Vários
investimentos haviam sido feitos na capital... Muitos até diziam que a cidade não
lembrava um ambiente africano, pois ela tinha muito do “espírito francês” e
podia ser comparada a Lyon ou Marselha... Vitrines de muito bom gosto, gastronomia
especial, moda parisiense e até os jornais que os franceses estão acostumados a
folhear chegavam rapidamente à capital argelina.
Toda infraestrutura implantada atendeu principalmente às demandas dos
egressos da metrópole... A parte islâmica, conhecida como Casbah, não era
contemplada pelos colonizadores...
E não havia como não notar que modernas empresas haviam sido instaladas
nas proximidades de precários bairros onde os habitantes locais cultivavam a
terra com instrumentos primitivos...
O “abismo colossal” se tornava mais evidente quanto mais se afastava da
capital... Essa era a conclusão do autor de A
Guerra do Futebol em 1965: linhas de produção automatizadas de um lado; “vilarejos
cuja população ainda não saiu da era do paleolítico” de outro, onde panelas de
barro ainda eram feitas à mão e as pessoas sustentavam crenças de que os banhos
traziam malefícios (até a morte!) às crianças.
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Nas comparações que tece, Kapuscinski também faz referências às cidades
mediterrâneas, onde foram construídas “belíssimas estradas e residências de
luxo”... Essa é a parte setentrional, agraciada por clima ameno e pelas águas
do Mediterrâneo... Ele trata também das terras áridas saarianas, que
correspondem à “imensa” maior parte de todo território argelino...
Ao se referir ao Saara
argelino, o autor não se esquece de citar In Salah, que se localiza bem no
centro do país e que no passado ficou conhecida por abrigar “o maior mercado de
escravos do mundo”... Mais a sudeste, as famosas cavernas de Tassili n’Ajjer (o
parque nacional que as abriga foi instituído cerca de dez anos depois dos
escritos de Kapuscinski), onde são encontradas antigas pinturas rupestres...
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Além desse patrimônio da
humanidade, as areias argelinas foram palcos onde se instalaram torres para
exploração de petróleo. O deserto também foi explorado pelos franceses em testes
nucleares, sobretudo nas imediações de Reggane, onde possuíam base militar...
Sabe-se que mesmo após a independência, a França
conseguiu acordos para prosseguir com suas experiências militares na região...
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto