terça-feira, 5 de janeiro de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – panorama social argelino após a independência; o exército e o desgaste da guerrilha; colaboracionistas, emigrantes e combatentes; difícil início de governo em busca de sustentação

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_4.html antes de ler esta postagem:

A guerra na Argélia revelou-se um confronto desigual do ponto de vista bélico... Apesar de sua superioridade, a França teve de enfrentar táticas guerrilheiras que não dispensavam atos terroristas... Muitos campos foram arrasados e a pobre gente das áreas mais afastadas foi sacrificada... Vimos que nem todos argelinos engrossaram ou apoiaram os revolucionários, pois muitos foram recrutados pelas tropas francesas e se engajaram no combate aos compatriotas... Vimos que isso ocorreu não apenas por afinidade/rivalidade ideológica.
Não foi por acaso que muitos civis decidiram se refugiar no Marrocos ou na Tunísia... A complexa sociedade argelina não saiu unificada do processo de independência... Não demorou e os sinais de insatisfação, inúmeras demandas sociais, se evidenciaram... O complicado quadro tornou-se ainda mais dramático porque a Argélia teve de resolver o conflito armado contra o Marrocos (a chamada “Guerra das Areias”) e a revolta na Cabília.
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Kapuscinski explica que, em sua maioria, o pessoal que preencheu os quadros administrativos na Argélia independente pertencia a contingentes colaboracionistas, isto é, que colaboraram com a França durante a guerra de independência... As informações dão conta que muitos se envolviam secretamente em sabotagens... Para o governo revolucionário não havia saída já que esse pessoal era o que tinha qualificações para exercer funções de gabinete...
O autor dá a entender que a convocação dos outrora colaboracionistas para o confronto da “Guerra das Areias” pode ter influenciado a derrota argelina.
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Ben Bella e outros companheiros são chamados de “emigrantes” porque durante a maior parte do processo de lutas contra a França permaneceram presos na antiga metrópole... Também Boumédiène e seus companheiros são chamados de “emigrantes”, mas no seu caso é porque integravam tropas que, durante a revolução, serviam no Marrocos ou na Tunísia.
Kapuscinski acreditava que a oposição entre os guerrilheiros (os “combatentes”) que atuaram no país e os “emigrantes” era litígio que duraria muitos anos ainda... A independência se dera num momento em que a guerrilha estava muito desgastada e, devido às inúmeras baixas, sua articulação se dava cada vez mais no interior do país... Bem diferente era a situação das tropas que estavam nos países vizinhos, seus soldados estavam bem treinados e alimentados...
Assim que o comando guerrilheiro anunciou que tomaria Argel (verão de 1962), o disciplinado e organizado exército ultrapassou as fronteiras e ocupou as ruas da capital com suas fileiras de tanques... Desde então, as decisões passaram a ser tomadas pelos oficiais militares... Em 1965 Kapuscinski dizia que “por muitos anos, tudo o que se refere à Argélia”, continuaria a ser decidido pelo exército... A história do país mostra que ele tinha razão.
O autor ressalta que assim que as tropas assumiram a posição de comando, a sociedade até então envolvida no processo de libertação, a elite dirigente e o pessoal ligado à administração tornou-se dividida “em três facções”: “emigrantes”; “combatentes”; “colaboracionistas”...
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Ben Bella assumiu o poder numa Argélia destroçada pela guerra... Sobretudo em suas áreas rurais... A Guerra do Futebol aponta que um milhão de franceses deixaram o país (talvez esse número seja exagerado)... Aqueles que haviam se refugiado retornaram e encontraram campos e fábricas arrasados... Não havia dúvidas, o quadro era de profunda exaustão... A administração teria problemas e faltavam especialistas para as mais diversas funções... O cidadão comum desejava a paz e também ter com o que se alimentar.
Para Kapuscinski, Ben Bella assumiu a tarefa de governar um dos países africanos com as maiores dificuldades... Cada estrato social possuía reivindicações específicas e desejava um modelo de país em muitos casos incompatíveis com os anseios dos demais!
Quando Ben Bella deixou o cárcere viu-se tão isolado politicamente como durante o longo período em que esteve privado de liberdade... Ele não contava com nenhum tipo de proteção e sabia bem possuía vários adversários... Além disso, o grupamento do qual participava apresentava-se dividido.
Sua saída foi recorrer a Boumédiène e às suas disciplinadas tropas.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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