Este texto e os que seguem nas próximas postagens têm como finalidade contribuir para uma melhor compreensão das exposições de Kapuscinski a respeito do panorama argelino em 1965.
Convém ressaltar que a leitura do capítulo referente à Argélia (in “História Geral da África”, vol. VIII/págs. 157–166; organizado pelo Comitê Científico Internacional da UNESCO) é de fundamental importância para a obtenção de um embasamento mais crítico a respeito dos temas neles evidenciados.
(...)
Não são poucos os que
consideram que a independência da Argélia é processo que deve ser entendido a partir
da atuação da FNL (Frente de Libertação Nacional)... A leitura de A Guerra do Futebol pode nos levar a
pensar da mesma forma.
Essa organização fundada em meados da década de 1950
foi o resultado de uma longa luta marcada pela perseguição de associações
políticas e de revolucionários... É bom que se saiba que já fazia muito tempo
que algumas personalidades, especificamente da comunidade árabe, não mediam
esforços para alcançar um tratamento menos opressor por parte da França...
(...)
Esse era o caso de Ferhat Abbas e de Benyoucef Benkhedda, que pertenciam
a um grupo social que teve acesso à formação superior...
Abbas era dos que se colocavam favoráveis a uma maior
integração dos argelinos no contexto político limitado pela metrópole, dessa
forma, eles teriam os mesmos direitos dos colonos franceses. Ele não pestanejou
ao alistar-se voluntariamente no exército francês durante a Segunda Guerra
Mundial... Depreende-se que Abbas e seu grupo político (FME – Federação dos
Muçulmanos Eleitos), no início, não defendiam a emancipação da Argélia.
Diferentemente de Abbas, Benkhedda teve um passado marcado por rebeldia
em relação às ideias de assimilação... Em 1942 ele se inscreveu no PPA (fundado
por Messali Hadj em 1937, este Partido do Povo Argelino foi colocado na
ilegalidade em 1939, junto com o PCA - Partido Comunista Argelino)...
Em plena Segunda Guerra Mundial, Benkhedda posicionou-se contrariamente
em relação ao recrutamento de argelinos imposto pela França... Por causa disso
acabou sendo preso e torturado.
Ferhat Abbas passou a liderar a Associação dos Amigos do Manifesto e da
Liberdade... Ele mesmo havia ajudado a redigir o “Manifesto do Povo Argelino”,
que problematizava a questão argelina apresentando teses sobre a necessária
autonomia e (também) associação do país em relação à França... Apesar das
diferenças ressaltadas anteriormente, o PPA associou-se aos defensores do
manifesto...
(...)
Não foram poucas as lideranças argelinas que acreditaram que França lhes
concederia a tão almejada autonomia... O pós-guerra foi mesmo marcado por esse
debate em todas as antigas colônias... Especificamente na Argélia a expectativa
era alimentada por reformas sociais promovidas pelo próprio De Gaulle, então
primeiro-ministro francês. Mas elas resultaram em frustrantes porque não
atendiam às demandas da maioria da população...
Ocorreram muitos protestos
que foram sufocados com extrema violência... Isso provocou uma reação exaltada
dos argelinos... Colonos franceses foram mortos e o governo reagiu com mais
violência ainda. Para tentar conter o movimento, a Assembleia Nacional (Paris)
aprovou uma série de medidas que anunciavam certa autonomia política à
Argélia... Passava-se a impressão de que os muçulmanos seriam tratados com
respeito e em pé de igualdade em relação aos colonos franceses...
Fazia parte do “pacote de
concessões” o direito de todo argelino aprender a língua árabe... Além disso,
os que quisessem se mudar para a França em busca de trabalho poderiam fazê-lo
sem maiores complicações... Inclusive, uma vez instalados na metrópole,
poderiam praticar sua religião com total liberdade de culto.
(...)
As eleições que
ocorreram em 1948 deviam ser marcadas pelo “espírito das reformas políticas”
tão propagadas anteriormente... Mas via-se claramente que na composição do
Parlamento Argelino (regulamentada por Estatuto específico elaborado pela
Assembleia Nacional francesa em 1947), colonos franceses e argelinos
aculturados teriam representatividade bem superior à de árabes e berberes...
Além disso, foram tomadas medidas para impedir que os candidatos vistos como “nacionalistas
exacerbados” fossem eleitos... Sabe-se que a maioria (dos que pertenciam ao
MTLD – Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas) acabou detida por
forças especiais francesas... E como não se bastasse esse truculento ataque, as
regiões onde os nacionalistas recebiam apoio foram prejudicadas de muitas outras
formas.
Após esses episódios, em vez de protestos de rua, os franceses tiveram
de lidar com “ações diretas” marcadas por ataques e ocupações de prédios
públicos... Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1950, quando Ahmed Ben Bella liderou
uma ação nos Correios em Oran... Como muitos outros rebeldes, ele também era
reconhecido pelos franceses por ter combatido ao lado de suas tropas durante a
Segunda Guerra.
Para a população revoltada, Ben Bella tornou-se
um símbolo da resistência... No ano seguinte ocorreram novas eleições e os
mesmos procedimentos autoritários contra os nacionalistas foram adotados.
Ficava evidente que a emancipação argelina não ocorreria através da via
política ou diplomática...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/01/a-guerra-de-independencia-da-argelia_11.html
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Leia: História
Geral da África. MEC Brasil.
Um abraço,
Prof.Gilberto