Minhas considerações:
Por um bom tempo os crimes foram punidos com a mais extremada violência. As punições eram eventos concorridos, pois aconteciam a céu aberto e atraiam milhares de curiosos, em sua maioria sedentos por um espetáculo cruel que se encerrava com a morte do criminoso. Assim era porque, na verdade, o criminoso, qualquer que fosse o seu delito, havia atentado contra a figura do próprio monarca, ao seu poder (considerado divino) e aos princípios doutrinados pela Igreja Católica. Sua morte devia assustar para servir de exemplo. Mas não era apenas isso.
A execução era lenta... Bem lenta... O punido praticamente assistia à própria morte ao sofrer torturas em instrumentos inventados durante a Idade Média. Em algumas ocasiões ele podia até receber certas consolações ou mesmo curativos para prosseguir sofrendo as torturas. Não faltava a figura do religioso sempre a questionar se o punido se arrependia dos males que cometera... Interessante observar que às vezes em que o instrumento que dava cabo à vida do sentenciado falhava, ouviam-se protestos dos populares para que sua vida fosse poupada, como se a falha fosse uma providência divina... Há muitos relatos sobre situações assim...
Tínhamos, então, um verdadeiro suplício do corpo. Punição, imposição do Estado Absolutista, significava fazer sofrer o condenado. Com isso todos sabiam quem tinha autoridade, e quem tinha se distanciado da Lei e dos princípios religiosos.
As punições que evitavam lentas agonias foram preocupações dos esclarecidos iluministas. Para esses, a sociedade humana devia ser orientada pelo Contrato e aqueles que cuidaram das punições durante o Antigo Regime podiam ser considerados exemplos fiéis do “atraso”, do “primitivismo”. Assim, os iluministas criticaram severamente os modelos de punição que evidenciavam o suplício do corpo do condenado. O final do século XVIII foi repleto de invenções para provocar mais “humanidade” nas condenações, a guilhotina foi uma delas...
Muito se discutiu sobre a eficácia das penas impostas aos crimes. Condenação à prisão foi uma alternativa proposta pela sociedade liberal, que surgiu com o fim do Antigo Regime após as revoluções burguesas. É claro que já existiam prisões, mas não com a característica de torná-la um estágio para a reeducação social... Os iluministas defendiam que as punições aos crimes devem ter essa característica regeneradora. Uma sociedade próxima da perfeição não pode conviver com a “carnificina” dos tempos anteriores.
As prisões, então, tornam-se ambientes disciplinadores por excelência. A palavra “cadeia” tem a ver com a disciplinada fila dos condenados “em cadeia” seguindo para sua prisão... O Panóptico resolveria com eficiência a necessidade de vigiar os inscritos nessas instituições. Os panópticos seriam modelos arquitetônicos em que os encarcerados sentiriam-se constantemente vigiados pela autoridade disciplinadora. Então, essa concepção gerava atenção e obediência a um eficiente poder e, ao mesmo tempo, tornava homogêneos os comportamentos dos prisioneiros... Outros mecanismos, como o respeito ao posicionamento geográfico de cada um dos vigiados nos ambientes prisionais, as atividades laboriosas que deviam cumprir, e a “monitoria” realizada pelos indivíduos de melhor comportamento, também serviriam para disciplinar.
Hospícios, hospitais e escolas também acabaram seguindo esses conceitos disciplinadores. De tudo isso, fica-nos a reflexão sobre os formatos disciplinadores, se ainda não são, de certa forma disfarçados, por suas pressões psicológicas e diversos métodos legados do passado, outros modos de suplício do corpo.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Leia: Vigiar e Punir. Editora Vozes.