domingo, 24 de outubro de 2010

"As garotas da fábrica", de Leslie T. Chang

Acabei de ler um exemplar da primeira edição, junho/2010, desse As garotas da fábrica, de Leslie T. Chang. Trata-se de um texto bem interessante, por isso quero compartilhar minhas impressões aqui.
Leslie é de uma antiga e grande família da China. Principalmente por causa dos conflitos que assolaram o país ao tempo da Revolução Comunista, vários de seus parentes tiveram de deixar o país. Ela estudou nos Estados Unidos, onde reside (Colorado), formou-se em História e Literatura.

Todos nós temos uma série de referências quando o assunto é o crescimento da economia chinesa... É muito comum ouvirmos dizerem que “Hoje em dia tudo vem da China”; “Na China há uma super exploração da mão-de-obra”; “Todas as grandes indústrias do mundo possuem produção na China”; essas coisas.

O livro em questão é produto de uma pesquisa que Chang desenvolveu em seu país de origem, onde passou um bom período (três anos) investigando as condições das cidades industrializadas do Delta do rio Pérola, sobretudo em Dongguan. Mas não pense que o seu texto é maçante, lidando apenas com os números da economia local, ou descrevendo os contextos produtivos... Leslie conviveu com algumas garotas e, assim, conseguiu dar-nos um panorama da realidade humana que pretendeu focar.
(essa sorridente da foto é Leslie T. Chang)
O que podemos afirmar após a leitura, sem risco de grandes tropeços, é que de fato a região “ferve” com a industrialização... A superpopulação do país acaba oferecendo um contingente espetacular para as grandes indústrias ávidas de mão-de-obra barata e consumidores. Milhares de jovens tornam-se migrantes ao deixarem suas famílias no campo e passarem a viver em cidades como Dongguan. Eles chegam de várias partes do país e vivenciam dramas complexos, já que a realidade urbana se apresenta completamente diferente da simples vida anterior.

Notamos também que algumas fábricas são imensas, parecem cidades onde os operários vivem (dormem, se alimentam, vão a sessões de cinema) em seu interior. A maioria é constituída de garotas, como Lu Qingmin e Wu Chunming, com as quais a autora teve um convívio muito próximo. Essa juventude busca uma realização no mundo das fábricas, mas percebem que as jornadas são imensas, praticamente não há períodos de folga, e os salários diminutos... Mesmo assim muitos acham a nova situação melhor, já que é possível enviar algum dinheiro aos familiares do interior.

A correria das fábricas contrasta com o tradicional modo de viver dos chineses. Muitos são os pais que exigem que as filhas enviem todo o dinheiro que recebem nas fábricas. Ou ainda que as jovens não se envolvam com rapazes de outras províncias... A figura da “casamenteira” ainda é comum em várias regiões interioranas e as moças são impulsionadas aos casamentos acertados pelos familiares.

Mas nas cidades, distantes dos parentes, conhecem uma vida de facilidades e consumo... Adquirir o último modelo de celular ou televisão; o melhor aparelho DVD, ou comprar o primeiro carro tornam-se metas... Na busca pelos melhores empregos e salários vale tudo: falsificar documentos escolares e de identidade; buscar cursos de inglês e de oratória; sair da linha de produção e passar a trabalhar no escritório; conhecer pessoas influentes; propinas... É claro que essas demandas fazem com que apareçam os mais diversos aproveitadores, vendedores de sonhos e milagres imediatos (organizar a própria empresa no esquema ”pirâmide”, aprender inglês como em uma linha de montagem...). Os jovens migrantes são iscas fáceis para esses tipos... Muitas jovens acabam no mundo da prostituição e, longe de casa, passam a vida sem que os familiares conheçam sua verdadeira realidade.

Antigamente eram os mais velhos que deixavam a aldeia para trazer sustento para a família, mas os valores vão se invertendo por causa dessa realidade industrial... O Partido Comunista Chinês faz vista grossa para a situação, e é também por isso que o Regime continua a sofrer duras críticas internacionais.

Pelo menos por enquanto não vemos muitas possibilidades de essa situação se alterar. É que as grandes e poderosas indústrias dos países mais desenvolvidos aproveitam a situação chinesa e conseguem lucros exorbitantes. As famílias do campo possuem lotes de terras suficientes para a subsistência, os mais jovens praticamente não têm o que fazer após chegarem aos 17 anos... O caminho a seguir é o mesmo dos que foram para as fábricas. A realidade camponesa ainda é muito precária, falta saneamento, conforto, autonomia e oportunidades aos jovens. Leslie conferiu isso de perto... Interessante observar como certas políticas sociais (como a de inibição de nascimentos) não tenham atingido certas comunidades do interior, que permanecem em seu inalterado cotidiano secular.

A história de vida da autora se insere no contexto por ela tratado. A família de Leslie foi muito importante ao tempo do império. Seus parentes foram proprietários na região da Manchúria e o avô paterno de Leslie, Zhang Shenfu, foi um empreendedor, tendo se formado engenheiro da indústria de mineração nos Estados Unidos com o sonho de “fazer algo pela China”. Acabou assassinado pelos comunistas... Toda a família sofreu com isso, uma parte se mudou para Taipei e, aos poucos, para a América do Norte... A parte que permaneceu em território chinês passou por diversos traumas, notadamente ao tempo da chamada “Revolução Cultural”, 1966 a 1976, quando ocorriam esculhambações públicas de pessoas consideradas burguesas e traidoras do Regime... As pressões eram tão grandes que filhos denunciavam os pais às autoridades... Os denunciados eram torturados e passavam por “reabilitações”, verdadeiras “lavagens cerebrais”...

Leslie percebe paralelos nessas vivências todas atravessando as gerações... Os migrantes buscam, na verdade, melhores condições de vida e realização humana... Sofrem preconceitos diversos e muitas vezes são incompreendidos pelos familiares... Mas muitos daqueles que partem tornam-se diferenciados, amadurecidos, prontos para novas jornadas e comprometidos com mudanças.
Despeço-me pedindo perdão pela falta de síntese... Ainda ficou tanto por escrever sobre este livro...
Um abraço,
Prof.Gilberto
Leia: As garotas da fábrica. Editora Intrínseca.

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