Helena interrompeu sua tarefa doméstica para prestar atenção à conversa de seu pai com o seu Juca Parrudo.
É bom que se saiba que ela era daquelas que não se importavam em ajudar à mãe nos serviços de casa. Não seria exagero dizer que ela preferia os afazeres domésticos às aulas.
Outra coisa de que ela gostava era de ouvir as conversas dos adultos... Formava uma opinião e às vezes se intrometia a dar palpites.
(...)
Naquela manhã de 10 de maio de 1894, interessava-lhe
ouvir o homem falar a respeito de sua filha de criação, Maria da Conceição.
Acontece que Helena conhecera a Maria da Conceição na época em que frequentara
a escola de Mestra Joaquina. Ela conta que certa vez outra menina do grupo de
alunas brigou com a Conceição e a chamou de “Maria do Esgoto”.
A agressão verbal foi punida com um castigo imposto
pela professora. Talvez para justificar sua decisão às demais alunas, ela
perguntou que culpa Maria tinha de “a terem jogado no esgoto”.
Helena estranhou a intervenção de Mestra Joaquina... Então as colegas lhe
contaram como foi que a garota havia sido encontrada pelos pais de criação. Mas
ela não deu muito crédito ao que lhe fora dito...
O tempo passou (mais ou
menos quatro anos) e sua curiosidade a respeito de como Maria da Conceição se
tornara adotiva não diminuiu. Mas pelo visto não acreditava que um dia
conheceria a verdade dos fatos.
(...)
Seu Juca agradeceu as salsas que recebeu do pai de Helena...
Dona Carolina apareceu e o cumprimentou. Ela quis saber como estava a
menina Maria da Conceição. Ele respondeu conforme o costume e na sequência
emendou a história que Helena queria ouvir.
Ela surpreendeu-se... Mas a verdade é que o seu Juca não se importava de
falar a respeito de como ele e a esposa encontraram a pequena Maria.
Ele disse que o casal vivia
triste... José, o único filho que tiveram, estava crescido e emancipado. Seu
Juca e a esposa desejavam ter mais um filho ou filha...
Para ele, Deus havia lhes enviado
a menina. De fato, o caso era espantoso... De acordo com suas próprias
palavras, o modo como Maria chegou a eles havia sido “esquisito”.
(...)
Certa noite, depois
que fecharam a casa e estavam prontos para dormir, sua esposa disse que ouviu
um choro de criança que saía debaixo do assoalho. Seu Juca não acreditou e
respondeu que ela estava cismada.
A mulher insistiu e pediu que ele mesmo encostasse o ouvido no assoalho.
Ele fez isso e conferiu que, de fato, uma criança estava gritando abaixo do
piso.
Imediatamente ele se
dirigiu à cozinha para pegar um machado... Com essa ferramenta arrancou algumas
tábuas. Depois com o auxílio de uma enxada cavou até chegar ao encanamento que
passava por ali.
Foi então que descobriu a criancinha que vinha rolando
desde a Rua do Carmo até onde estavam, na Rua do Bonfim.
A menina estava bem machucada, cortada por cacos de vidro e lambuzada
por todo tipo de imundície. A esposa do seu Juca lavou-a com “um banho de água
com sal e arnica”...
O casal cuidou da Conceição como se fosse sua
filha legítima. Para seu Juca, ela só não morreu porque era “um presente do
céu, que Deus lhe mandou”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/02/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_28.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto