As próprias experiências e polêmicas vivenciadas com as pessoas mais próximas foram utilizadas pelos autores existencialistas em suas obras filosóficas e literárias.
Em “Os Mandarins”, Beauvoir utiliza desse recurso. A leitura nos leva a entender o contexto de pós-guerra mundial, particularmente na França, a partir do protagonismo de intelectuais que ela conhecia muito bem.
Ela própria está representada na personagem Anne, enquanto que Robert Dubreuilh é Jean-Paul Sartre. Henri é Albert Camus.
Simone de Beauvoir conheceu mesmo um intelectual norte-americano com o qual manteve um “relacionamento extraconjugal” (as aspas se justificam pelo fato de a relação com Sartre não ser nada convencional). O Lewis Morgan na verdade seria Nelson Algren, a quem o livro é dedicado.
Sartre e Beauvoir não tiveram filhos na vida real... Nadine (a filha de Robert e Anne) poderia representar Sylvie Le Bom (filha adotiva de Beauvoir).
(...)
De fato, os intelectuais franceses se engajaram de
diversos modos durante a ocupação nazista... Muitos participaram da resistência
armada ou dedicaram-se a publicações de periódicos. O próprio Sartre encabeçou
“Les Temps Modernes”, algo como a Vigilance
de “Os Mandarins”...
No livro vemos a parceria entre Henri e Robert Dubreuilh... Depois há o
rompimento principalmente devido à questão do totalitarismo soviético... O
mesmo ocorreu entre Sartre e Camus... A diferença é que na vida real os dois
não reataram como na narrativa de Beauvoir.
Camus teve dois casamentos problemáticos e marcados por infidelidades...
A personagem Paule incorpora um pouco de cada uma de suas esposas (Simone Hie,
que era viciada em morfina; Francine Faure, que era pianista). Sabe-se que o
escritor manteve um relacionamento amoroso com a atriz Maria Casares (não por
acaso temos Josette em “Os Mandarins”).
Não há como não relacionar a personalidade de Lewis com a de Nelson
Algren... Ele realmente viveu em Chicago, foi soldado durante a Segunda Guerra,
tinha posições políticas esquerdistas e era autor de uma “literatura marginal”.
Todos esses elementos são verificados no personagem fictício. Também na vida
real, Beauvoir e Algren realizaram uma viagem a países da América Central
(1949).
(...)
É muito mais interessante fazer a leitura de “Os Mandarins” levando-se
em consideração todos esses elementos.
Há ainda muitos outros que
poderíamos destacar (a libertação da França; a atuação do PC francês; o
lançamento das bombas atômicas sobre o Japão; a trajetória política de De
Gaulle; as reações ao Plano Marshall; o início da Guerra Fria...). Isso fica
para outra ocasião. Quem sabe?
(...)
De suma importância são as
tramas que envolvem alguns personagens que muitos considerariam
“secundários”... Josette (a atriz com quem Henri manteve um caso) e Lucie
Belhomme (a mãe de Josette) nos remetem aos inúmeros episódios de mulheres que
se sujeitaram aos nazi durante a ocupação...
Para finalizar, podemos
entender Lachaume, Lambert, Vincent e Samazelle como personagens que encarnam
várias angústias certamente experimentadas por muitos que viveram a transição
daqueles tempos. Engajaram-se na resistência, pegaram em armas e sabotaram os
nazistas...
Uns (Lachaume) acreditaram sinceramente que
apenas os comunistas tinham condições de promover uma sociedade mais justa;
outros (Lambert) consideravam que o melhor caminho seria admitir o suporte
norte-americano, a reconciliação com antigos colaboracionistas e gaullistas.
Havia os que recorriam a ações extremistas, e perseguiam antigos colaboracionistas
para assassiná-los (Vincent). Por fim, havia os que tinham um passado marcado
pela colaboração com os nazistas ao mesmo tempo em que atuavam junto aos da
Resistência. Samazelle exemplifica essa situação, além de representar a
degeneração dos que mergulharam fundo nas drogas.
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto