Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/tribunais-do-santo-oficio-em-portugal.html
antes de ler esta postagem:
No Brasil havia os “familiares da
Inquisição”... Eles representavam o Santo Ofício em terras coloniais e tinham
autorização para receber denúncias e investigá-las... Podiam até mesmo prender
o denunciado e levá-lo ao tribunal de Lisboa, tal como se dava o procedimento
adotado pelas visitações do Santo Ofício.
Assis nos chama a atenção
sobre a generalização que se faz quando o assunto é ”cristão novo”. Alerta-nos
que havia aqueles convertidos à força e que tinham uma formação arraigada pelos
preceitos do judaísmo; outros eram os que pertenciam a gerações posteriores e
que tiveram acesso ao “judaísmo possível”, o da convivência familiar em cujo
seio preservavam-se os rituais celebrados com todo cuidado, embora sujeito a
mudanças; e havia ainda os que, de fato, aceitaram o cristianismo católico.
Os “cristãos novos” foram
se afastando do judaísmo tradicional porque, como tudo estava limitado ao lar,
não havia como manter um culto padronizado... Não havia sinagogas ou rabinos...
Disso resultou o “judaísmo possível”, passível de transformações ao longo do
tempo. Normalmente as mulheres assumiam a condição de ensinar, além de cuidarem
dos afazeres domésticos. Isso se tornou cada vez mais comum entre aquelas
famílias devido ao fato de os maridos se ausentarem por longos períodos
demandados pelas viagens de negócios... Essas situações proporcionaram o
sincretismo, que se caracterizou por celebrações do “sábado judeu” em lares
cujas famílias assistiam às missas católicas dominicais.
Então podemos dizer que os próprios “cristãos novos” não sabiam explicar
o que é “ser judeu”... Nem os “cristãos velhos” sabiam identificá-los. Por mais
contraditório que possa parecer, eram os padres da Igreja, ao orientarem seus
fiéis sobre atos que podiam indicar o “modo de ser judeu” para que fossem feitas
denúncias, que acabavam ensinando ao “cristão novo” um pouco do judaísmo. É
claro que o que se propagava a respeito daquele “modo de ser” limitava-se a
questões bem simples, como a aversão judaica à carne de porco, o enterro de
seus mortos envolvidos num pano branco, ou a "guarda do sábado"...
Angelo Assis destaca
a pesquisa que realizou sobre Ana Rodrigues, que chegou de Portugal com Heitor
Antunes, seu marido. Seus pais haviam sido “batizados em pé”, portanto Ana
tinha uma formação judaica, conhecia os rituais e preservava a tradição. Heitor
Antunes prestou importantes serviços à Coroa, inclusive chegou à colônia com o
terceiro governador geral, Mem de Sá.
Antunes organizou um engenho no Recôncavo Baiano, onde recebeu terras...
Sua família prosperou, e o fato de ter casado os filhos com filhas de “cristãos
velhos” revela o prestígio e consideração que gozava em meio à sociedade
local... Ele organizava uma sinagoga em sua propriedade, e isso não era segredo
para ninguém... Era um conselheiro que atuava como rabino... Depois de sua
morte, Ana Rodrigues assumiu o seu lugar. Ela já contava cerca de 60 anos e o
fato é digno de destaque, principalmente se levarmos em consideração que apenas
recentemente uma mulher assumiu (pela primeira vez) uma sinagoga no Brasil.
Ao tempo da visitação de
1591, as autoridades inquisidoras chegaram até Ana devido a denúncias de seus familiares...
Já fazia uns 20 anos que o marido havia morrido... Creditaram à sua velhice e
demência o fato de ousar preservar os rituais judaicos... Sua confissão foi
colhida num momento de muita fragilidade, pois estava acamada e adoecida...
Confessou o criptojudaísmo... Foi enviada para o julgamento em Lisboa, porém morreu
dois meses após a extenuante viagem.
Mesmo após a morte de
dona Ana, o processo teve prosseguimento... E, dez anos depois, o resultado foi
a sua condenação... O procedimento seguinte foi a exumação e a queima de seus
ossos... Um retrato foi pintado e enviado para a igreja construída em sua
antiga propriedade no Brasil. À porta do templo, todos poderiam visualizar Ana “cercada
de demônios e queimando no inferno como herege”... Seus filhos e netos também
sofreram processos, mas nenhum deles foi condenado... “Tornaram-se párias por
serem filhos e netos da herege”.
Enquanto vigorou, a
Inquisição em Portugal levou 1076 presos do Brasil à pena máxima (morte na
fogueira). Só no século XVII, com a administração do marquês de Pombal é que o
poder do Santo Ofício diminuiu. O marquês se inspirava no movimento Iluminista,
que criticava a Inquisição... Foi ele quem esvaziou a importância do Santo
Ofício ao eliminar a “distinção legal” entre “cristão novo” e “cristão velho”. Mais
tarde, a Revolução do Porto (1820-1821) extinguiu os tribunais do Santo Ofício.
Logo
após a emancipação política do Brasil (1822), a historiografia passou a levar
em consideração a união de indígenas, brancos e negros, mas desprezou a
contribuição de judeus e “cristãos novos” para a constituição de nossa
sociedade...
Um abraço,
Prof.Gilberto