A edição 85 (outubro de 2012) da Revista de História da Biblioteca Nacional
publicou uma série de textos com referências aos 100 anos da Guerra do
Contestado... O dossiê Contestado, 100
anos tem subtítulo Massacre e
Progresso. Entre os estudos que compõem o material, está Assim caminhou João Maria, de Alexandre
Karsburg, autor da tese O eremita do Novo
Mundo: a trajetória de um peregrino italiano na América do século XIX (1838-1869); UFRJ
2012.
A história de Giovanni de
Agostini, um italiano que se tornou peregrino religioso no continente
americano, é fantástica... Ele nasceu em 1801 na localidade de Sizzano (no
Piemonte). Após a morte da mãe, em 1819, andou por Roma, França e Espanha.
Decidiu-se pela vocação religiosa e tornou-se monge... Não se adequando à vida
intramuros dos mosteiros, decidiu partir para o Novo Mundo, onde, tal como as
descrições dos antigos beatos e profetas, iniciou a peregrinação asceta.
Desembarcou em junho de 1838 na capital venezuelana... Cinco anos depois
transferiu-se para o Brasil, onde esteve até 1852. Cidades como Rio de Janeiro,
São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Desterro (antigo nome de Florianópolis)
foram por ele visitadas. Sua intenção era receber autorização para evangelizar
em meio ao povo, então recorria às autoridades religiosas (bispos) e políticas
(presidentes das províncias)... Depois de autorizado, rumava para o interior
como missionário. Em pouco tempo tornou-se conhecido como um monge solitário...
Trajava-se como os capuchinhos... Sua austeridade era notada também pelos
longos cabelos e barba... Os que o viam com o hábito religioso julgavam
tratar-se de um “profeta bíblico”... Mas era um leigo, não pertencia a nenhuma Ordem Religiosa, porém a missão a que se devotou era levada muito a sério. Com suas sandálias
surradas, seguia em direção ao sul, levando a Bíblia, medalhas de Nossa Senhora
e um cajado... Confeccionava rosários e crucifixos em madeira para trocar por
alimento ou dinheiro que permitisse continuar o seu percurso... Os que o ouviam
conheciam os seus ensinamentos acerca do fim dos tempos e da necessidade de
voltar-se a uma vida de devoção, sem ostentar riqueza... Agostini falava da
penitência como forma de se livrar da punição do inferno.
Não foram poucos os locais
onde, junto com os capuchinhos, criou cruzeiros e vias-sacras para que os
rituais de oração e de referência à Paixão de Cristo fossem mantidos e
praticados pelos fiéis... Em terras gaúchas sua fama cresceu enormemente e
tornou-se seguido de perto por uma legião de pessoas que acreditavam que ele
tinha poder de curas milagrosas... O beato manipulava e reconhecia propriedades
medicinais de ervas e raízes, com as quais fazia chás e unguentos que receitava
a enfermos de doenças diversas. Doentes, fanáticos religiosos e curiosos apareciam
das mais diferentes partes do Brasil, e também de países vizinhos.
Não demorou e os seus
feitos foram parar nos jornais, que o chamavam de monge estrangeiro, conhecedor
de “águas santas” que curam até mesmo paralisias e fraturas... As reportagens
despertaram o interesse de médicos, que acabaram visitando as localidades percorridas
por Agostini (que passou a ser conhecido como monge João Maria de Agostini) e
constataram que as águas eram apenas potáveis, sem nenhuma propriedade
espetacular. Sintetizaram os episódios como exploração da “fé ingênua” da gente
do povo.
Aqueles eram tempos em que
muitos missionários autorizados pelo império percorriam o Brasil... Eles faziam
o seu trabalho evangelizador ao mesmo tempo em que apaziguavam confrontos
políticos, além de “civilizar” índios hostis à ordem estabelecida. Então, o
próprio Pedro II decidiu junto aos seus auxiliares mais diretos que deveria
conhecer de perto o fenômeno das “águas santas”... São as memórias do próprio
João Maria que revelam a audiência com o imperador... Segundo os registros,
Pedro II simpatizou-se com o monge e ofereceu-lhe privilégios, porém o asceta
os rejeitou, destacando que procurava uma vida de “solidão e sofrimento”...
Depois
do contato com o monarca, João Maria nunca mais retornou ao Rio de Janeiro...
Sabe-se que sofreu acusações de charlatanismo, uso ilegal da medicina,
promessas de curas e impostura religiosa. O governo do Rio Grande do Sul e a
Academia imperial de Medicina (Rio de Janeiro) pretendiam levar a cabo
processos contra ele, mas talvez graças ao contato prestigioso com o imperador,
Eusébio de Queirós (ministro da Justiça por aquela época) o inocentou.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/02/a-incrivel-historia-de-giovanni-de_22.html
Um abraço,
Prof.Gilberto