domingo, 1 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – mais uma vez a questão do tribalismo; o retorno de Muatiânvua e o nervosismo de Sem Medo; o Comissário propõe devolver o dinheiro do mecânico

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-emboscada-ofensiva.html antes de ler esta postagem:

Lutamos e Ekuikui se apresentaram como voluntários para a busca de Muatiânvua. Sem Medo notou que Teoria não se adiantou aos dois e entendeu que aos poucos ele estava se curando dos traumas que o perseguiam.
O Comandante não deixou de observar aos camaradas que a dificuldade deles em se colocarem como voluntários na tarefa se devia ao fato de Muatiânvua ser um destribalizado. Fosse ele kikongo ou kimbundo e certamente apareceriam vários! No grupamento não havia outros cabindas como Lutamos, ou umbundos como Ekuikui, então talvez fosse natural que os dois se vissem como destribalizados também.
Por fim, perguntou aos homens se poderiam vencer a luta contra os imperialistas alimentando sentimentos tribalistas. Falou sobre o jovem soldado tuga que teve a arma emperrada e que foi atingido por um balaço na testa. O tipo bem podia ser minhoto ou transmontano. Mas isso pouco importava para os seus companheiros, pois todos puderam ver que minhotos e transmontanos se uniram nos disparos para cobri-lo e, ao mesmo tempo, atacar os rebeldes.
(...)
Não demorou e Lutamos e Ekuikui encontraram o camarada que estava desaparecido.
Muatiânvua chegava ao ponto de encontro caminhando sossegadamente. Sem esconder sua irritação, o Comandante foi logo perguntando o que ele ficara a fazer que não se juntou aos camaradas conforme haviam combinado. O rapaz respondeu que quis contar o número de mortos para informar o “Comunicado de Guerra”. Acrescentou que viu dezesseis mortos ou feridos estirados na estrada, e que os tugas sobreviventes estavam assustados e irritados com a grande quantidade de baixas.
Sem Medo esbravejou que Muatiânvua devia atender imediatamente a ordem dada durante a ação... Se ele havia ordenado a retirada, era isso o que o rapaz devia ter feito...
Mas no mesmo instante Sem Medo lembrou que, no passado, fizera o mesmo que o seu comandado. Lembrou que na ocasião também foi criticado pelos superiores. Todavia eles reconheceram seu esforço e o elogiaram também. Foi por isso que tratou de mostrar-se tolerante. Disse que pela informação coletada podiam concluir que o ataque não havia sido “nada mau”.
(...)
Na sequência, Sem Medo deu ordem para a retirada. Enfim retornariam para a Base.
Lutamos tomou a dianteira para abrir caminho com a sua catana. Às seis horas se aproximaram novamente do rio Lombe e armaram acampamento.
Desde onde se instalaram não ouviram mais os tiros dos inimigos... Provavelmente já estivessem sem munições. Todavia a artilharia do Sanga continuou a atirar sobre a mata. Os tugas atiravam a esmo... Achavam que intimidavam os rebeldes, mas apenas desperdiçavam seus morteiros.
(...)
O Comandante ordenou mais uma vez a retirada da arma de Ingratidão do Tuga. Como sabemos, ele passaria por um julgamento logo que chegassem à Base (por ter se apropriado do dinheiro do trabalhador por ocasião da ação na área de corte da madeira).
Sequer destacaram uma guarda para a noite. A própria mata os protegia... Os inimigos não tinham a menor ideia de onde estavam. Seus projéteis explosivos caíam a cerca de cinco quilômetros dali.
O Comissário Político se aproximou de Sem Medo. Com o Comandante já estava o Chefe de Operações. O Comissário chegou dizendo que tinham de encontrar uma maneira de devolver o dinheiro ao trabalhador.
Sem Medo logo respondeu que deviam esquecer essa questão. O Comissário insistiu que tinham, sim, de devolver o dinheiro. Explicou que o encontro com a gente do interior havia sido importante. Os trabalhadores foram bem tratados por eles. Isso repercutiria bem. Mas o episódio do roubo do dinheiro havia manchado o contato. Logo o povo local saberia que os guerrilheiros do MPLA tratavam bem os civis até encontrarem algo de valor para “confiscar”.
O oficial insistiu que o roubo do dinheiro deixaria uma má imagem do movimento. Era preciso corrigir o mal feito! O Comandante quis saber da proposta do Comissário. Este respondeu que ele mesmo partiria com dois dos camaradas para a aldeia onde o mecânico vivia, e que deixariam o dinheiro num papel com as devidas informações. Certamente alguém encontraria o embrulho e devolveria ao dono.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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