Lutamos e Ekuikui se apresentaram como voluntários para a busca de Muatiânvua. Sem Medo notou que Teoria não se adiantou aos dois e entendeu que aos poucos ele estava se curando dos traumas que o perseguiam.
O Comandante não deixou de observar aos camaradas que a dificuldade deles em se colocarem como voluntários na tarefa se devia ao fato de Muatiânvua ser um destribalizado. Fosse ele kikongo ou kimbundo e certamente apareceriam vários! No grupamento não havia outros cabindas como Lutamos, ou umbundos como Ekuikui, então talvez fosse natural que os dois se vissem como destribalizados também.
Por fim, perguntou aos homens se poderiam vencer a luta contra os imperialistas alimentando sentimentos tribalistas. Falou sobre o jovem soldado tuga que teve a arma emperrada e que foi atingido por um balaço na testa. O tipo bem podia ser minhoto ou transmontano. Mas isso pouco importava para os seus companheiros, pois todos puderam ver que minhotos e transmontanos se uniram nos disparos para cobri-lo e, ao mesmo tempo, atacar os rebeldes.
(...)
Não
demorou e Lutamos e Ekuikui encontraram o camarada que estava desaparecido.
Muatiânvua chegava ao
ponto de encontro caminhando sossegadamente. Sem esconder sua irritação, o
Comandante foi logo perguntando o que ele ficara a fazer que não se juntou aos
camaradas conforme haviam combinado. O rapaz respondeu que quis contar o número
de mortos para informar o “Comunicado de Guerra”. Acrescentou que viu dezesseis
mortos ou feridos estirados na estrada, e que os tugas sobreviventes estavam
assustados e irritados com a grande quantidade de baixas.
Sem
Medo esbravejou que Muatiânvua devia atender imediatamente a ordem dada durante
a ação... Se ele havia ordenado a retirada, era isso o que o rapaz devia ter
feito...
Mas no mesmo instante
Sem Medo lembrou que, no passado, fizera o mesmo que o seu comandado. Lembrou
que na ocasião também foi criticado pelos superiores. Todavia eles reconheceram
seu esforço e o elogiaram também. Foi por isso que tratou de mostrar-se
tolerante. Disse que pela informação coletada podiam concluir que o ataque não
havia sido “nada mau”.
(...)
Na sequência, Sem
Medo deu ordem para a retirada. Enfim retornariam para a Base.
Lutamos tomou a
dianteira para abrir caminho com a sua catana. Às seis horas se aproximaram
novamente do rio Lombe e armaram acampamento.
Desde onde se
instalaram não ouviram mais os tiros dos inimigos... Provavelmente já
estivessem sem munições. Todavia a artilharia do Sanga continuou a atirar sobre
a mata. Os tugas atiravam a esmo... Achavam que intimidavam os rebeldes, mas
apenas desperdiçavam seus morteiros.
(...)
O Comandante ordenou mais uma vez a retirada da arma de Ingratidão do
Tuga. Como sabemos, ele passaria por um julgamento logo que chegassem à Base
(por ter se apropriado do dinheiro do trabalhador por ocasião da ação na área
de corte da madeira).
Sequer destacaram uma guarda para a noite. A própria mata os protegia...
Os inimigos não tinham a menor ideia de onde estavam. Seus projéteis explosivos
caíam a cerca de cinco quilômetros dali.
O Comissário Político se aproximou de Sem Medo.
Com o Comandante já estava o Chefe de Operações. O Comissário chegou dizendo
que tinham de encontrar uma maneira de devolver o dinheiro ao trabalhador.
Sem Medo logo
respondeu que deviam esquecer essa questão. O Comissário insistiu que tinham,
sim, de devolver o dinheiro. Explicou que o encontro com a gente do interior
havia sido importante. Os trabalhadores foram bem tratados por eles. Isso
repercutiria bem. Mas o episódio do roubo do dinheiro havia manchado o contato.
Logo o povo local saberia que os guerrilheiros do MPLA tratavam bem os civis
até encontrarem algo de valor para “confiscar”.
O
oficial insistiu que o roubo do dinheiro deixaria uma má imagem do movimento.
Era preciso corrigir o mal feito! O Comandante quis saber da proposta do
Comissário. Este respondeu que ele mesmo partiria com dois dos camaradas para a
aldeia onde o mecânico vivia, e que deixariam o dinheiro num papel com as
devidas informações. Certamente alguém encontraria o embrulho e devolveria ao
dono.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/07/mayombe-de-pepetela-o-comando-discute.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto