O mecânico ofereceu o dinheiro que os guerrilheiros haviam trazido... Ele estava bem agitado, pois não deixava de olhar para o caminho receando serem vistos por soldados.
Apesar de terem se afastado, sabiam que não podiam conversar normalmente. Murmurando, o Comissário agradeceu a doação... Na sequência perguntou se os trabalhadores tinham ouvido falar a respeito da emboscada armada aos tugas. O mais velho respondeu afirmativamente. Deixou escapar um sorriso e emendou que muitos haviam morrido na ação, inclusive um jovem de uma aldeia vizinha.
O Comissário disse em tom de lamentação que sempre pediam aos angolanos que abandonassem as tropas imperialistas, pois o combate sempre podia resultar em mortes para qualquer lado.
O tipo mais velho explicou que outro nativo que vivia mais ao sul também morreu... Todavia fez questão de garantir que as maiores baixas foram entre os soldados brancos, e destacou que um deles era capitão.
As informações davam conta de que se tratava de certo capitão Lima e de que o exército ordenara à população a denunciar possíveis rastros dos guerrilheiros. O velho deu a entender que a comunidade não estava colaborando com os imperialistas.
O Comissário quis saber se eles, que haviam sido sequestrados na mata, tiveram de fazer algo por exigência dos tugas... O mecânico respondeu que foram interrogados e que em síntese as perguntas se referiam à quantidade de guerrilheiros, se identificaram o líder, sobre o que falaram e para onde se dirigiram...
O trabalhador disse também que lhes foram apresentadas várias fotografias para que identificassem os rebeldes. Como não reconheceram nenhum, os soldados se irritaram muito com eles.
(...)
O mecânico contou
ainda que o exército havia infiltrado um homem da “PIDE” (que reunia agentes
recrutados entre os nativos para o trabalho de investigação e perseguição de
suspeitos de colaborarem com os rebeldes). Ele emendou que sabiam quem era o agente
e que a área estava bem perigosa para os guerrilheiros.
Lutamos disse que já
haviam cumprido sua tarefa e que estavam para se retirar. Na sequência,
ouviram-se vozes de pessoas que passavam pela estrada... Logo que elas se
afastaram, os guerrilheiros se despediram dos trabalhadores. Esses se retiraram
com toda cautela da mata e também tiveram o cuidado de observar o caminho antes
de retomarem seu trajeto.
Os três guerrilheiros
seguiram os homens para se certificarem de que não voltariam à aldeia... Aguardaram
por um tempo para conferir de que não os trairiam, e só depois disso é que
retornaram à posição onde se encontrava o comandante Sem Medo.
(...)
O Comandante quis saber sobre como tinha sido o encontro e o Comissário
explicou que tudo correra bem. Assim que informou que o mecânico ofertara o
dinheiro ao MPLA, Sem Medo soltou uma perigosa gargalhada. Ele não pôde deixar
de observar que haviam se arriscado muito para retornarem à Base “com o
dinheiro no bolso”.
O Comissário respondeu que fizeram o que deviam fazer... O Comandante
não discordou, mas salientou que havia sido cômico.
Na sequência, os guerrilheiros penetraram a
densa floresta, afastando-se da área perigosa demais para eles. Por dez minutos
almoçaram uns restos de sardinha... caminharam durante todo o dia e não pararam
nem mesmo durante a noite.
O percurso era
enlameado e isso provocava várias quedas. Valeram-se do sentido de orientação
de Lutamos e, de fato, graças a ele, não se perderam. Depois de dezesseis horas
de marcha, às dez da noite, chegaram à Base.
Sem Medo sequer dirigiu a palavra aos camaradas e tratou de acender um
cigarro. Permaneceu encostado a uma árvore, a ouvir as narrativas do
Comissários aos demais e a dar suas pitadas até queimar os dedos. Depois
esquentou água, preparou um café e acendeu outro cigarro...
Uma
vez na Base, teria tempo para comer algo mais tarde.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto