quinta-feira, 26 de maio de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – bombeiros conduzem o repórter à agência de correio; um disputado aparelho de telex; Honduras solicita auxílio norte-americano; aventura do retorno ao hotel, escuridão, incidentes e mal entendidos; fuga, traumas físicos e tempestade na madrugada hondurenha

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/05/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_26.html antes de ler esta postagem:

Depois de elaborar a redação do telegrama, restava encaminhá-la ao correio... A cidade e suas colinas escureciam e isso pesava contra o polonês, que sabia que teria dificuldade para encontrar a agência. Acabara de se instalar e não conhecia o traçado das ruas...
O dono do hotel não tinha nenhum funcionário à disposição que pudesse acompanhar o hóspede estrangeiro. Solícito, telefonou para a polícia. Mas os policiais estavam muito atarefados.
O tempo corria contra a pressa do repórter... O hoteleiro resolveu ligar para o corpo de bombeiros.
Logo apareceram três deles devidamente paramentados (com machadinha e tudo). Kapuscinski explicou-lhes a situação implorando para que o conduzissem ao correio, e fez isso dando a entender que sua missão era importante para os hondurenhos. Disse que sabia que os hondurenhos são hospitaleiros... Infelizmente não conhecia a cidade, mas gostaria muito de retribuir o acolhimento enviando aquele telegrama à sua agência na Polônia, pois era “muito importante que o mundo soubesse a verdade” sobre como a guerra se iniciara...
Insistiu. Garantiu que havia escrito a verdade e que deviam ajudá-lo a encaminhá-la.
(...)
Os bombeiros conduziram-no pelas ruas escuras... Na esperança de encontrar o caminho de volta ao hotel sozinho, o polonês contava os passos. Sua estratégia não podia dar certo porque, ao chegar no milésimo passo, Kapuscinski já não conseguia entender o mapa que desenhava em sua mente.
Chegaram a uma porta... Um dos bombeiros bateu... A escuridão impossibilitava o reconhecimento... Todavia, após breve troca de palavras, uma voz autorizou a entrada.
Havia apenas um aparelho de telex. No momento ele estava sendo utilizado pelo presidente da República, que se comunicava com o embaixador hondurenho em Washington... O governo estava solicitando a intervenção e ajuda militar dos Estados Unidos.
A ligação apresentava muitos problemas e a todo momento sofria interrupções. Aquela troca de mensagens demorou muito.
Apenas à meia-noite o aparelho foi liberado para Kapuscinski. O operador quis saber se Varsóvia é um país... Enquanto o polonês explicou, o contato foi estabelecido e a mensagem enviada.
(...)
Kapuscinski registra sua imensa felicidade ao cumprir satisfatoriamente a tarefa. Mas ao se despedir do funcionário notou que não conseguiria enxergar o caminho a percorrer até o hotel... O céu encoberto parecia conspirar... Nenhuma luz, e tudo indicava que o retorno seria digno da série “missão impossível”... A cidade totalmente desconhecida parecia-lhe enfeitiçada.
Percorreu as ruas “tateando muros, calhas e grades de vitrines” como se fosse cego. De repente percebeu que havia chegado a uma praça ou cruzamento de avenidas... Concluiu que, além de não saber como chegar ao hotel, não tinha condições de voltar ao correio... Para piorar, desequilibrou-se e derrubou uma lixeira de metal... Como a topografia configurava um aclive, a lata cilíndrica rolou asfalto abaixo provocando barulho que despertou os moradores... Curiosos abriram janelas... Uns imaginavam que o local estivesse sendo invadido... Outros exigiram silêncio.
Infelizmente para ele, a lata seguia seu curso batendo em postes e paredes... Aquilo podia denunciar um alvo aos inimigos! Sentiu-se um “traidor da cidade” e, apavorado, atirou-se ao chão receando que alguém pudesse disparar contra ele.
(...)
O relato do autor beira ao exagero...
Kapuscinski garante que correu perigo real... Ao jogar-se no chão bateu a cabeça e começou a sangrar pela boca... Não sabe como iniciou uma corrida às escuras, mas foi isso o que decidiu fazer.
Corria e suava em bicas. Imaginava que logo seria alcançado por pessoas enfurecidas portando lanternas e porretes... Porém não foi isso o que ocorreu, pois logo o silêncio voltou a se estabelecer.
Voltou a caminhar lentamente. Sangrava e tinha a camisa rasgada (!)... Sentia-se numa aventura no “fim do mundo”.
Para completar o quadro catastrófico, uma tempestade desabou sobre Tegucigalpa. Relâmpagos permitiram visualizar “prédios velhos e malconservados, uma casa de madeira, um poste e muitos paralelepípedos”.
Conseguiu tatear muros e se esconder num vão... Tentou dormir, mas não teve sucesso... Estava encharcado e tremendo de frio...
Protegeu-se da chuva, mas não do vento gelado.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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