O mínimo que se pode dizer a respeito da atmosfera em torno do jogo que ocorreria no Estádio Nacional de La Flor Blanca é que havia um clima de guerra mesmo antes da partida iniciada... Do lado de fora a Guarda Nacional cercou o local munida de armas de grosso calibre... Das arquibancadas ouviam-se os mais terríveis impropérios contra os atletas adversários... Durante a execução do hino hondurenho o ambiente foi preenchido de vaias e mais xingamentos. Em vez de bandeira do país, “um pano esfarrapado” foi içado no mastro.
Os jogadores visitantes não pensavam sobre o que podiam desempenhar em campo... Preocuparam-se antes de tudo com a própria vida... Retornariam sãos e salvos ao seu país?
(...)
El Salvador venceu por 3 a
0... O técnico de Honduras manifestou seu alívio concluindo que a derrota era o
que de melhor poderia ocorrer para sua equipe. Após a partida os atletas foram
conduzidos em carros de combate até o aeroporto e, pelo menos para eles, o pior
fora superado.
Torcedores hondurenhos que se arriscaram a assistir à
partida no Estádio Nacional de El Salvador passaram por um verdadeiro sufoco...
Eles sofreram todo tipo de agressão à saída. Foram agredidos com socos,
pontapés e pedradas... Fugiram como puderam em direção à fronteira, e canta-se
que pelo menos “dois foram mortos pelo caminho e dezenas de outros acabaram
hospitalizados”.
Muitos torcedores hondurenhos foram alcançados na estrada. O saldo é
assustador: cento e cinquenta automóveis acabaram incendiados.
Poucas horas depois, a fronteira entre Honduras e El
Salvador foi fechada.
(...)
As informações se espalharam rapidamente...
Como se sabe, Kapuscinski estava no México quando esses episódios se
sucediam na América Central... Foi o seu companheiro na estadia, Luis Suarez,
quem comentou a respeito da tragédia ao mesmo tempo em que apostava que uma
guerra entre Honduras e El Salvador era iminente.
Foi com Suarez que Kapuscinski aprendeu que a “fronteira entre a
política e o futebol é tênue” na América Latina. Sem entrar em detalhes, o
polonês sentencia que vários governos se desmantelaram por causa de derrotas
das seleções de seus países... De modo exagerado, dizia-se que os que sofriam
derrotas nos campos de jogo eram “traidores da pátria”.
(...)
Sabe-se que a seleção brasileira de futebol sagrou-se campeã no torneio
do México em 1970. Muitos especialistas consideram que o time comandado por
Mário Zagalo era quase imbatível... Sem dúvida é um dos melhores da história do
esporte.
Kapuscinski registra que
ouviu de um colega brasileiro que o triunfo desportivo de 1970 resultaria em
mais “cinco anos pacíficos” de governo dos militares de direita que haviam derrubado
o presidente João Goulart em 1964.
Com isso, queria dizer que
as alegrias do futebol levavam as pessoas a se distanciarem dos problemas
políticos... Ainda segundo o autor, no caso específico do Brasil, a paixão pelo
futebol se misturava a superstições e crenças na intervenção divina na
definição dos resultados... Há quem diga que isso vale também para o tempo
presente!
A constatação de Kapuscinski se sustenta numa
evidência que ele mesmo coletou a partir da manchete de “Jornal dos Esportes”,
do Rio de Janeiro, que destacava (por ocasião da vitória do Brasil sobre os
ingleses na mesma Copa de 1970) através de texto e gravuras que “Jesus defende
o Brasil”, pois “toda vez que a bola corria em direção à nossa defesa e o gol
parecia inevitável, Jesus baixava Sua perna do céu e chutava a bola para fora”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto