sábado, 28 de maio de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – “voo do terror” para a disputada região de Santa Rosa de Copan; inimigos salvadorenhos interrogados na antiga fortaleza; impressão sobre os muito jovens soldados de Honduras; conhecendo o precário socorro aos feridos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/05/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_39.html antes de ler esta postagem:


O voo do DC-3 para Santa Rosa de Copan foi dos mais assustadores.
Estava na cara que o aparelho não passava de um improvisado transporte de passageiros, já que o seu interior era desprovido de qualquer tipo de assento... Originalmente se tratava de um avião que transportava cargas.
O aparelho era extremamente instável... Os jovens pilotos não conseguiam mantê-lo em “linha reta”, e se divertiam ao notarem que os jornalistas tinham problemas para permanecer de pé enquanto tentavam agarrar um corrimão.
O DC-3 estava mais para “avião do terror”... Kapuscinski via que ele expelia fogo e fumaça pelo céu de Honduras ao mesmo tempo em que realizava “manobras cambaleantes”. Todos se sentiam incomodados também com o vento que entrava pelas falhas da fuselagem.
Antonio Rodriguez, jornalistas da EFE, dizia que tinham de torcer para que os barulhentos motores não pifassem em pleno ar.
(...)
Um caminhão militar levou os jornalistas até a caserna, que fora instalada numa fortaleza espanhola dos tempos coloniais...
Eles passaram por três prisioneiros que eram interrogados no pátio. Os tipos estavam feridos e sofriam pressões do interrogador. Eles pronunciavam frases inaudíveis... Um deles, ferido na barriga, não suportou a perda do sangue e tombou ali mesmo.
O comandante não sabia o que fazer com aquele bando de jornalistas estrangeiros... Tinha motivos para se preocupar porque acreditava que a qualquer momento seriam atacados... Ordenou que lhes dessem camisas militares e que lhes servissem café.
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O lugarejo fica no caminho entre os dois oceanos (o Atlântico e o Pacífico), e podia ser considerado local estratégico para salvadorenhos e hondurenhos em guerra. Apoderar-se do lugar significava, para El Salvador, tornar-se “uma potência de dois oceanos”.
De fato, a campanha salvadorenha evoluía por aquele caminho... Eles ambicionavam conquistar importantes logradouros (Ocotepeque, Santa Rosa, San Pedro Sula, Puerto Cortes)... Suas tropas haviam avançado consideravelmente e pelo rádio era possível ouvir suas transmissões que, animadamente, empolgavam seus soldados e povo: “Alguns gritos, algumas surras; e não haverá mais Honduras”.
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Kapuscinski registra que Honduras era o lado “mais fraco e pobre”... Na caserna observava os oficiais ordenando a partida de unidades ao front. Os soldados eram muito jovens e tinham o rosto moreno assustado... Lembravam índios uniformizados... Demonstravam ao seu modo necessária determinação para o combate.
Os garotos não partiam sem a benção do sacerdote que aparecia no instante derradeiro para dizer umas orações e aspergir a água benta.
(...)
Assim que os jornalistas foram liberados para seguir para o front, Kapuscinski se colocou entre eles. Partiram de caminhão para uma região de elevada altitude coberta por florestas tropicais.
Mais de quarenta quilômetros se passaram até avistarem as primeiras vilas de choupanas queimadas e abandonadas... O caminhão passou por um grupo de camponeses armados de espingardas e facões. Levavam roupas e sombreros do cotidiano, além de uns poucos pertences. Acenaram ao avistarem o caminhão... Mas não há registros de que tenham trocado qualquer informação com os militares ou os jornalistas.
Conforme o caminhão avançou, todos puderam ouvir os tiros das artilharias... O veículo parou um pouco mais à frente, onde havia uma “clareira triangular”. Ali acomodavam os feridos que retornavam do combate.
As acomodações eram precárias... Alguns estavam em macas e muitos outros aguardavam atendimento deitados na relva... Não havia médicos no local, então dois enfermeiros procuravam prestar o atendimento básico.
Kapuscinski ficou impressionado com a calma dos feridos... Entre eles não havia quem reclamasse das dores ou exigisse auxílio.
Alguns soldados serviam água aos pobres coitados... Um dos enfermeiros percorria os que estavam com balaços incrustados pelo corpo e, de lanceta na mão, fazia as incisões para retirá-las. De acordo com o polonês, fazia isso “como se extrai o caroço de uma maçã”... O outro enfermeiro chegava para despejar iodo na ferida e cobri-la “com um curativo rudimentar”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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