sexta-feira, 8 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais sobre a indisciplina de Kapuscinski; leitura de “Tristes Trópicos” durante a convalescença em Lagos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_6.html antes de ler esta postagem:

Sim... Kapuscinski era disciplinado... Mas sua disciplina era canalizada para as tarefas jornalísticas que ele mesmo definia como prioritárias, ou seja, as situações de “calor da hora” das quais julgava que não podia deixar de participar.
Em relação aos superiores, podemos dizer que sua postura era “irresponsável”... Ao ponto de se embrenhar por remotas paragens africanas sem dar a mínima satisfação à sede em Varsóvia, que ficava sem a menor noção do que ele podia estar fazendo... Simplesmente não deixava rastros, e isso impossibilitava saber se ao menos estava a salvo.
Navegou pelo Níger e viajou com “nômades pelo Saara” sem que sua agência soubesse...
As embaixadas da Polônia recebiam inúmeros telegramas em busca de seu paradeiro... É como ocorreu na ocasião em que chegou a Bamako (capital do Mali) e os funcionários da embaixada informaram-lhe que o procuravam desesperadamente... Entregaram-lhe um telegrama que dizia “se, por acaso, aparecer na vossa região o redator Kapuscinski, pedimos avisar a PAP, através do Ministério de Relações Exteriores”.
(...)
Enquanto permaneceu em Lagos para cuidar da saúde, Kapuscinski leu “Tristes trópicos”, de Claude Lévi-Strauss...
Não foi por acaso que o polonês selecionou considerável trecho do livro em seu “A Guerra do Futebol”.
Em síntese, notamos que ele se sentia como o etnólogo franco-belga, e entendia que a sua experiência como repórter correspondente na África tinha muito em comum com as “pesquisas etnográficas” que Lévi-Strauss realizava em meio à “selva brasileira” junto a tribos indígenas.
O trecho selecionado (que não trata das pesquisas entre os Nambikwara, Bororo ou qualquer outra nação) revela que em determinado momento Lévi-Strauss esteve um tanto “decepcionado e exaurido” devido às inúmeras dificuldades e à “resistência dos índios”... Ele externou sua angústia marcada, sobretudo, pelas dúvidas a respeito do significado de sua expedição. Em seus questionamentos buscava resposta sobre a real necessidade de realizar a “pesquisa etnográfica” nas remotas terras brasileiras (transferiu-se para o Brasil para exercer cargo de professor universitário)...
Cinco anos haviam se passado desde que Lévi-Strauss deixara o seu país... Nesse intervalo, seus mais “ajuizados” seguidores e pupilos decidiram dar prosseguimento às carreiras para as quais dedicaram sua vida acadêmica e conseguiram cargos políticos (alguns se tornaram deputados e continuavam a projetar postos mais elevados)...
Por seu turno, o pesquisador das gentes das florestas, insistiu em perseguir os “detritos da humanidade”, conforme ele mesmo sentencia...
Pelo visto sua condição por ocasião da redação daquelas linhas era de desgaste... As dificuldades que encontrara no trabalho de campo pareciam sacramentar a crise existencial... As perguntas que o atormentavam não eram poucas... Seu tremendo esforço seria recompensado? O grupo social do qual fazia parte o reconheceria? Seria relegado?
Sentia que as expectativas que alimentara antes de partir para a investigação no Brasil não se confirmavam...
Abandonara pessoas e cenários que faziam parte de sua história, de sua identidade... O contato com os indígenas que viviam no estado de Mato Grosso também o fazia refletir a respeito do próprio passado marcado por situações e elementos que desprezara com sinceridade...
No entanto, nos momentos de solidão e de contemplação da deslumbrante paisagem, vinha-lhe à lembrança o estudo Op 10 Nº 3.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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