quinta-feira, 21 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Kapuscinski sai a campo; o velho e solitário índio no deserto mexicano; sobre Mario Terán, militar boliviano que executou o Che; a história de Pedro Morote, de guerrilheiro e ativista pela Reforma Agrária a rico proprietário de luxuoso restaurante em Lima

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_21.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski conta que precisou labutar “até chegar ao Homem” latino-americano... Diz que abriu caminho entre matagais e exuberâncias, entre “simulacros e reproduções”... Driblou demagogias...
Garante que conseguiu detectar dramas e derrotas, humores, honra, traição e solidão da gente latino-americana...
(...)
Um tanto poético...
Um tanto dramático...
O autor registra algumas passagens que vivenciou (ou coletou) enquanto percorreu países não menos misteriosos ou abalados politicamente do que os que havia conhecido na África.
No deserto mexicano, por exemplo, certa vez encontrou um velho índio com enorme chapéu à cabeça e sentado num buraco que fizera para se proteger da ventania... Curioso, o polonês parou o carro para observar melhor... Viu que o velho tinha um gramofone bem antigo, que girava um disco já muito gasto. A cantiga rouca e apagada que saía do aparelho dizia algo como “Rio Manzanares, dejeme passar”...
Kapuscinski cumprimentou e permaneceu por algum tempo diante do homem... Mas este sequer parecia notá-lo. Então o gringo disse que não havia rio por ali... O velho índio fez ainda algum silêncio até que respondeu que ele mesmo era o rio e que não podia atravessar a si mesmo.
O índio voltou a girar a manivela do aparelho e retornou ao seu silêncio.
(...)
Che Guevara foi executado em outubro de 1967 em terras bolivianas, onde estava engajado numa guerrilha.
Kapuscinski faz pequena narrativa sobre o sargento Mario Terana (Terán), que foi quem matou o Che.
Ele explica que, após o feito, o militar boliviano sofreu profunda crise e não conseguia responder perguntas ou obedecer às ordens que recebia... Tornou-se depressivo e sentia-se perseguido... Diz-se que foi dispensado do exército e tratou de andar disfarçado para não ser reconhecido por aqueles que pretendiam vingar a morte do líder revolucionário.
Não havia ambiente onde pudesse permanecer por muito tempo... Não se sentia seguro nem mesmo em sua própria casa, onde viveu trancado por algum tempo... Paranoico, começou a imaginar que também sua residência podia ser uma armadilha tramada por guerrilheiros...
O final do relato do polonês garante que Terana parou de beber porque tinha certeza de que podiam envenená-lo... Decidiu perambular pela estrada... No segundo dia de caminhada suicidou-se nas proximidades de uma pobre povoação chamada Madre de Dios.
(...)
Todavia sabe-se que Mario Terana foi protegido e adotou nova identidade...
Por ironia do destino, em 2006 passou por uma cirurgia oftalmológica conduzida por médicos cubanos na Venezuela.
(...)
Na sequência, Kapuscinski apresenta considerações sobre o que aconteceu a um seu amigo peruano, Pedro Morote...
O rapaz ingressou num grupo guerrilheiro com a intenção de lutar contra a aristocracia... Era ainda adolescente quando conheceu Javier Heraud, o poeta líder da guerrilha.
Corria o ano de 1963 quando os revolucionários caíram numa emboscada em Puerto Maldonado... Na ocasião Heraud, que contava 21 anos, morreu enquanto tentava escapar da perseguição implacável de militares por um rio.
Morote conseguiu escapar ileso... Permaneceu escondido por algum tempo e voltou à ativa na luta por reforma agrária quando os militares assumiram o poder (provavelmente uma referência ao golpe impetrado pelo comandante geral do exército Juan Velasco Alvarado em 1968).
O polonês teve oportunidade de viajar com Pedro Morote (embora isso não esteja claro no livro, é bem provável que ele tenha se tornado funcionário do novo governo) por distantes localidades, onde o rapaz tinha a responsabilidade de distribuir “terras entre os camponeses pobres e humildes”.
Curioso foi o fato de Morote receber considerável herança deixada por antigo amigo que viera a falecer... Os tempos de guerrilha e de ativismo pela reforma agrária ficaram para trás...
Kapuscinski conta que Morote decidiu abrir um luxuoso restaurante em Lima, o La Palisada... O estabelecimento tornou-se frequentado apenas pelos mais ricos da sociedade.
O negócio resultou em bem sucedido... Morote engordou e passou a percorrer animadamente o salão, e a cantarolar versos da autoria do antigo comandante, Javier Heraud...
Mas os clientes não precisavam saber disso.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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