Kapuscinski relaciona a deprimente acumulação de quinquilharias pelas senhoras chilenas ao “onipresente barroquismo” na América Latina, marcado pelo excesso e ecletismo... Ele buscou justificativa ao seu juízo na própria configuração geográfica (física e humana)...
O autor admirava-se com as paisagens de “proporções exageradas” típicas do continente... Sua floresta só podia ser imensa (Amazônia); o mesmo ocorre com as montanhas de maior destaque (as elevadíssimas altitudes dos Andes) ou com as “planícies que parecem não ter fim” (Pampas); o maior rio do mundo (Amazonas)...
A convivência de “homens de todas as raças possíveis e de todas as cores de pele (brancos, amarelos, pretos, vermelhos, mestiços mulatos – índios, anglo-saxões, espanhóis, lusitanos, franceses, hindus, italianos, africanos)” no cotidiano das grandes cidades do continente sempre deixou o polonês intrigado.
Sua opinião era a de que ideologias e partidos políticos das mais diversas tendências sempre encontrariam ambientes propícios à propagação e conflitos por essas terras...
Terra de contrastes... Marcada por muita riqueza e extrema miséria.
A grande quantidade de adjetivos utilizados pelos latino-americanos e sua “língua florida” deixaram Kapuscinski atordoado... Ele mesmo concluiu que as produções artísticas locais só podiam reproduzir o excessivo colorido das “flores, frutos, legumes, roupas, utensílios e ferramentas encontrados nas feiras livres”.
Tudo isso podia mesmo provocar certa confusão ao estrangeiro, mas ele faz questão de sentenciar que era impossível tornar-se indiferente aos afrescos de Diego Rivera (pintor mexicano) ou aos textos de Lezama Lima (escritor cubano).
(...)
Estamos neste ponto em que Kapuscinski havia se transferido para a
América Latina no segundo semestre de 1967.
Todos por aqui sabem que o jornalista polonês, além de não esconder sua
afinidade com o Socialismo, esforçava-se para marcar presença nos países onde
ocorriam processos revolucionários, e onde governos que se pautavam por
programas de desenvolvimento social sofriam golpes.
Não foi por acaso que fez questão de percorrer as jovens nações
africanas... Acompanhamos a sua trajetória, os riscos que correu e sua angústia
ao buscar respostas para as dificuldades de cada uma delas. E conhecemos também
a sua doença e recuperação, o retorno à sede da PAP e a sua inquietude em
relação ao “burocratismo”.
(...)
Também a América Latina
estava agitada por movimentos sociais e golpes militares...
Talvez a expectativa do
polonês fosse a de realizar cobertura jornalística que repercutisse os avanços
e recuos do Socialismo por essas terras... Como se sabe, fazia oito anos que a
Revolução Cubana havia triunfado e por toda parte pipocavam movimentos que
ameaçavam a hegemonia norte-americana...
Aqui cabem algumas
considerações de caráter especulativo... Se Kapuscinski retornasse a essas
paragens neste tempo mesmo em que vivemos (ele morreu em 2007), teria a
impressão de que por aqui não houve avanços significativos em direção à
Democracia. Ele entenderia que, em vez disso, teria ocorrido um retrocesso, já que
o debate político corrente em muito se assemelha àqueles dos anos 1960...
Entre as pérolas que lemos e ouvimos estão essas que marcam o momento
atual da política no Brasil: “este governo tem de ser impedido a todo custo
porque sua plataforma é comunista”; “o partido X está a serviço do imperialismo”;
“a entrada de imigrantes é facilitada para que guerrilheiros treinados em outras
nações atuem em nosso meio”; “só mesmo a intervenção militar pode expurgar o
país de maus políticos”...
(...)
Kapuscinki conheceu a
transição que marcou a derrocada dos países comunistas e a passagem das
ditaduras militares de muitos países latino-americanos para estados democráticos.
Certamente ficaria chocado
com a corrupção praticada por indivíduos que exercem importantes funções
públicas, e também com o modo como parlamentares sobre os quais pesam várias
acusações conduzem os debates políticos para a resolução (?) de crises
pontuais.
Não devemos estranhar... Ele provavelmente
classificaria o Brasil como um “País do Golpe”.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto