quinta-feira, 21 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – sobre o “barroquismo” latino-americano; de exageros e ecletismo; campo fértil às ideologias e movimentos políticos; Brasil e a permanência de (pre)conceitos no debate político atual

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_15.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski relaciona a deprimente acumulação de quinquilharias pelas senhoras chilenas ao “onipresente barroquismo” na América Latina, marcado pelo excesso e ecletismo... Ele buscou justificativa ao seu juízo na própria configuração geográfica (física e humana)...
O autor admirava-se com as paisagens de “proporções exageradas” típicas do continente... Sua floresta só podia ser imensa (Amazônia); o mesmo ocorre com as montanhas de maior destaque (as elevadíssimas altitudes dos Andes) ou com as “planícies que parecem não ter fim” (Pampas); o maior rio do mundo (Amazonas)...
A convivência de “homens de todas as raças possíveis e de todas as cores de pele (brancos, amarelos, pretos, vermelhos, mestiços mulatos – índios, anglo-saxões, espanhóis, lusitanos, franceses, hindus, italianos, africanos)” no cotidiano das grandes cidades do continente sempre deixou o polonês intrigado.
Sua opinião era a de que ideologias e partidos políticos das mais diversas tendências sempre encontrariam ambientes propícios à propagação e conflitos por essas terras...
Terra de contrastes... Marcada por muita riqueza e extrema miséria.
A grande quantidade de adjetivos utilizados pelos latino-americanos e sua “língua florida” deixaram Kapuscinski atordoado... Ele mesmo concluiu que as produções artísticas locais só podiam reproduzir o excessivo colorido das “flores, frutos, legumes, roupas, utensílios e ferramentas encontrados nas feiras livres”.
Tudo isso podia mesmo provocar certa confusão ao estrangeiro, mas ele faz questão de sentenciar que era impossível tornar-se indiferente aos afrescos de Diego Rivera (pintor mexicano) ou aos textos de Lezama Lima (escritor cubano).
(...)
Estamos neste ponto em que Kapuscinski havia se transferido para a América Latina no segundo semestre de 1967.
Todos por aqui sabem que o jornalista polonês, além de não esconder sua afinidade com o Socialismo, esforçava-se para marcar presença nos países onde ocorriam processos revolucionários, e onde governos que se pautavam por programas de desenvolvimento social sofriam golpes.
Não foi por acaso que fez questão de percorrer as jovens nações africanas... Acompanhamos a sua trajetória, os riscos que correu e sua angústia ao buscar respostas para as dificuldades de cada uma delas. E conhecemos também a sua doença e recuperação, o retorno à sede da PAP e a sua inquietude em relação ao “burocratismo”.
(...)
Também a América Latina estava agitada por movimentos sociais e golpes militares...
Talvez a expectativa do polonês fosse a de realizar cobertura jornalística que repercutisse os avanços e recuos do Socialismo por essas terras... Como se sabe, fazia oito anos que a Revolução Cubana havia triunfado e por toda parte pipocavam movimentos que ameaçavam a hegemonia norte-americana...
Aqui cabem algumas considerações de caráter especulativo... Se Kapuscinski retornasse a essas paragens neste tempo mesmo em que vivemos (ele morreu em 2007), teria a impressão de que por aqui não houve avanços significativos em direção à Democracia. Ele entenderia que, em vez disso, teria ocorrido um retrocesso, já que o debate político corrente em muito se assemelha àqueles dos anos 1960...
Entre as pérolas que lemos e ouvimos estão essas que marcam o momento atual da política no Brasil: “este governo tem de ser impedido a todo custo porque sua plataforma é comunista”; “o partido X está a serviço do imperialismo”; “a entrada de imigrantes é facilitada para que guerrilheiros treinados em outras nações atuem em nosso meio”; “só mesmo a intervenção militar pode expurgar o país de maus políticos”...
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Kapuscinki conheceu a transição que marcou a derrocada dos países comunistas e a passagem das ditaduras militares de muitos países latino-americanos para estados democráticos.
Certamente ficaria chocado com a corrupção praticada por indivíduos que exercem importantes funções públicas, e também com o modo como parlamentares sobre os quais pesam várias acusações conduzem os debates políticos para a resolução (?) de crises pontuais.
Não devemos estranhar... Ele provavelmente classificaria o Brasil como um “País do Golpe”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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