Henri bem sabia que Lambert conhecia a verdade a respeito do que se passara em fevereiro de 1944... O moço tinha seus registros, tinha certeza que Henri havia mentido à Justiça para livrar um patife como Mercier... E tudo para continuar de bem com Lucie e Josette Belhomme, dois tipos asquerosos que haviam colaborado com os alemães durante a ocupação!
Lambert não havia confirmado as informações que Sézenac buscara... Mas Henri sabia também que o rapaz podia rever a sua posição... Essa situação cairia como “arma terrível” nas mãos de Volange...
É por isso que Henri calculou que precisava prosseguir negando... Não havia dúvida de que o próximo passo de Sézenac seria uma conversa com Dubreuilh... Provavelmente o velho nunca ouvira falar de Mercier, e era possível que ele se lembrasse da presença de Henri em Paris no dia 23 de fevereiro de 1944... Apanhado de surpresa, Robert Dubreuilh não teria nenhuma razão para omitir o que sabia.
Essa hipótese implicava a busca de reconciliação... Mas confessar-se com Dubreuilh e, mais que isso, pedir a sua cumplicidade não seria nada fácil.
(...)
Henri estava em perigo... Entendia que também Vincent estava porque,
mesmo que o rapaz e seu grupo nada tivessem com o assassinato do pai de
Lambert, era certo que Sézenac tinha conhecimento a respeito de suas
atividades.
Apesar do panorama de incertezas que vislumbrava,
Henri admitiu que “faria tudo novamente se esse fosse o caso”...
Ter dormido com Josette custara-lhe alto preço... Quis salvá-la porque
ela representava o real em sua ansiedade por uma existência plena e vida particular...
O extremo a que havia
chegado era uma indicação de que ele definitivamente não podia ser incluído
entre os que se dedicam integralmente às causas históricas...
Não havia como não levar em consideração suas contradições... Então
achou por bem desligar-se definitivamente de L’Espoir e de tudo o que o jornal
representava... É por isso que também decidiu se encontrar com Luc para tratar
de sua carta de desligamento... O rapaz, que se tratava de uma crise de gota,
sabia que mais cedo ou mais tarde isso ocorreria.
(...)
L’Espoir estampou a carta de demissão de Henri em primeira página... Ele
não quis receber ninguém e informou ao porteiro do hotel que também não
atenderia telefonemas...
Sem Josette, ou qualquer
outra que pudesse lhe fazer companhia, não foi fácil adormecer...
(...)
Levantou-se mais tarde do que o costume...
Foi surpreendido por um telegrama enviado por Dubreuilh... Em síntese a
mensagem tratava da “carta de adeus ao L’Espoir” e lamentava que ambos estivessem
tão afastados quando tanta coisa os aproximava... Robert confessava-lhe a
amizade e o desejo de se encontrarem... Também manifestava estranheza a
respeito de alguém que o procurara com o intuito de provocar-lhe alguma
maldade.
Henri quis encontrar-se com
Dubreuilh o quanto antes... Pensou sobre o orgulho que o impedira de
escrever-lhe... E também sobre o que Sézenac poderia ter dito a ele... Não
havia dúvida, seria preciso confessar os fatos ao amigo... A mentira só
pioraria sua condição. Mas sabia que não era sem embaraços que o encararia.
(...)
O encontro deu-se em
satisfatório tão logo Dubreuilh o recebeu de braços abertos. Com grande
sorriso, manifestou com sinceridade que estava feliz pelo reencontro... Henri
retribuiu a gentileza, disse que era ele quem se alegrava e que só tinha a
lamentar as incontáveis ocasiões em que adiara escrever-lhe.
O escritório era o mesmo ambiente de tantas outras reuniões... Também a
poltrona onde Henri costumava acomodar-se estava como que à sua disposição.
Era certo que o ambiente não estava mudado...
Henri sentia-se à vontade, mas não se podia dizer que Dubreuilh continuasse o
mesmo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_9.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto