quarta-feira, 3 de junho de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Henri desperta Josette de seu sono; dirige-lhe palavras duríssimas a respeito dos atos do passado em apoio aos oficiais alemães; o desespero e pranto da moça resgatam a sua sensibilidade; é preciso livrá-la do infortúnio nem que isso signifique trair a própria consciência; seu falso testemunho também libertaria Mercier, um cafajeste que se colocou a serviço da Gestapo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-para.html antes de ler esta postagem:

Henri deixou a casa de Belhomme afirmando que pensaria a respeito do “falso testemunho”... Garantiu que telefonaria para ela ainda à noite.
No carro, decidiu que passaria no apartamento de Josette... Não havia nenhum impedimento, principalmente porque ainda possuía uma cópia da chave.
(...)
A garota já dormia, mas ficou contente ao vê-lo... Achou muito gentil sua atitude de aparecer para deixar-lhe um beijo. Porém a reação de Henri não foi de afeto. Ele permaneceu imóvel por um instante a observar as paredes acolchoadas, o cetim, bibelôs e almofadas... Tudo aquilo contrastava com o cenário tenebroso de uma prisão, que era onde ela merecia estar.
(...)
Ele foi direto ao assunto. Explicou que sua mãe havia lhe contado tudo. Estava decepcionado porque ela mesma não tinha lhe dito a verdade sobre sua colaboração e envolvimento com os alemães... Revoltava saber que ele havia sido usado por elas para que um dia as livrasse de punições e perseguições da Justiça.
Josette quis deixar claro que sua mãe sempre a aconselhara a deixá-lo... O gosto dela era que a filha se aproximasse de um homem rico e de mais idade. Então Henri disparou a pergunta sobre o dossiê, e esclareceu que sabia quem era Mercier, um tipo que estava preso e que possuía farta documentação que as incriminava.
Ele vociferou que naquele mesmo quarto ela lhe dissera que nunca havia amado ninguém, e depois falou a respeito de um jovem que morreu na América... Pois agora ele sabia que este era o modo que ela tinha para fazer uma referência ao belo capitão alemão com o qual se envolvera.
A moça tornou-se desesperada... Disse que aquele pesadelo nunca tinha fim. E completou afirmando que quando estava em Lyons não conhecera o alemão. Enciumado, Henri reclamou que ela não devia esconder-lhe aqueles detalhes de seu passado.
Josette tinha sido surpreendida... É claro que não estava preparada para discutir ou esclarecer... Disse que Lucie a proibia de falar a respeito daqueles assuntos e que não podia se abrir com Henri porque há um ano ele era um desconhecido... Ele emendou que conforme se conheceram melhor ela deveria contar-lhe tudo.
Segundo a garota, a verdade é que não havia sentido em revelar os fatos que podiam levá-la à prisão. Preferia matar-se. Henri seguiu fazendo uma série de perguntas e assim ficou sabendo que a relação com o alemão durou um ano, e que foi ele quem a instalou naquele apartamento, pois a amava muito.
Henri remoía os seus sentimentos... Ele sempre acreditou que a sua amada fizesse companhia aos alemães, a quem era havia sido obrigada a dirigir gracejos e sorrisos. O que o torturava era saber que naquele ambiente estivera um oficial alemão que deitara seu uniforme sobre a poltrona. Sem dúvida, saber que um inimigo experimentara o prazer que ele pretendia exclusivamente seu o deixava extremamente revoltado.
Ele perguntou irritado se Josette tinha ideia do que Lucie havia lhe pedido. Era simplesmente inaceitável comprometer-se com um falso testemunho para livrá-las da cadeia. A conduta que as duas adotaram ao colaborarem com os alemães era imperdoável.
O clima tornou-se dramático porque Josette insistiu que se suicidaria se fosse condenada... O mal-estar provocado à moça devia-se sobretudo ao ciúme que Henri não podia suportar.
(...)
De repente ele mudou o tom... Explicou que as duas podiam deixar o país... Mas também essa ideia aborreceu a pequena... Lágrimas desceram pelo seu rostinho perfumado.
Henri se sensibilizou e garantiu que não permitiria que ela sofresse...
Ele já não se mostrava zangado... Josette atirou-se para seus braços pedindo-lhe que a salvasse.
Quis beijá-lo, mas ele virou o rosto... De certo modo estava envergonhado (por ser, entre os dois, o que possuía moral)...
Ele beijou-a e explicou que só sentia aversão em relação a ele mesmo... Disse que não devia ter sido grosseiro, mas gentil. A piedade tomou conta de seu coração.
(...)
Henri tranquilizou a pequena ao garantir que faria o necessário para tirá-la da situação desagradável... É claro que isso significava dar o falso testemunho e livrar da prisão o asqueroso Mercier...
Mas o que fazer? Em seu pensamento procurava justificar o que era digno de lamentação: “Há tantos que merecem morrer e vivem maravilhosamente”... Sendo assim, livrar Mercier não faria grande diferença.
(...)
O que contava mesmo era inocentar Josette... Os escrúpulos de consciência tinham de ser desconsiderados... Enquanto acariciava os cabelos da moça concluía que “consciência limpa” não serve para nada...
Enfim decidiu-se, daria o falso testemunho.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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