(...)
Aquela época era de conflitos religiosos provocados pelo desentendimento
entre católicos e reformados... Isso explica a tentativa de formar a colônia
com famílias protestantes, ainda em que território proibido pelo Tratado de
Tordesilhas (1494). O Brasil era palco da disputa entre portugueses e franceses
– maírs e perôs, como eram chamados pelos tupinambás - ávidos pelas riquezas (notadamente
o pau-brasil) existentes no território.
(...)
Depois de pouco mais de
meio ano, Villegagnon desentendeu-se com colonos e missionários calvinistas,
entre eles o jovem Léry... Eles acabaram expulsos da França Antártica... Foram
acolhidos pelos índios tupinambás que habitavam a região, mas nem todos
aceitaram permanecer entre os nativos.
É certo que os que tentaram retornar à segurança da
colônia (protegida pelo Forte Coligny) terminaram mortos pelo líder...
Léry é considerado um dos principais cronistas do Brasil dos tempos
coloniais... Não há dúvida de que o período em que permaneceu entre os
tupinambás (cerca de dois meses) tenha sido de suma importância para os seus
registros acerca de impressões sobre a aventura francesa no trópico; sobre
aspectos geográficos do lugar; e sobre o modo de ser dos indígenas.
Conta-se que o retorno de Léry para a França foi dos
mais traumáticos. Primeiro porque ele e os companheiros improvisaram sua fuga
em embarcação precária e sem os recursos necessários para a longa travessia. Em
segundo lugar, como não podia deixar de ser, a viagem exigiu sacrifícios
imensos... Eles recorreram a meios inusitados para solucionar a falta de víveres.
E por fim vale ainda destacar que por pouco não acabaram prisioneiros logo que
terminaram sua aventura ao desembarcarem em terras francesas.
(...)
A reprodução de fragmento de documento que segue contempla recorte de
conteúdos a partir dos tópicos: História; Cidadania; Ética; Natureza;
Preservação da Memória e Patrimônio indígenas da América e do Brasil;
Diversidade Cultural.
(...)
Fragmentos de Viagem à terra do
Brasil, de Jean de Léry; texto destacado em Os índios do Brasil, de Julio Cezar Melatti.
Os nossos tupinambás
muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir
buscar o seu arabutan (madeira pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: por
que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses), buscar lenha de
tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que
tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele
supunha, mas dela extraímos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os
seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: - e porventura precisais de muito? -
Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais
panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e
um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. -
Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, - acrescentando depois de bem
compreender o que eu lhe dissera: - Mas esse homem tão rico de que me falas não
morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.
Mas
os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o
fim, por isso perguntou-me de novo: - e quando morrem para quem fica o que deixam?
- para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes, para os irmãos ou
parentes próximos. - Na verdade, continuou o velho, que como vereis, não era
nenhum tolo - agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois
atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais,
e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles
que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para
alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos
certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá,
por isso descansamos sem maiores cuidados (...)
Leia: Índios
do Brasil. Editora Edusp.
Um abraço,
Prof.Gilberto