sexta-feira, 19 de junho de 2015

“Índios do Brasil”, de Julio Cezar Melatti – fragmentos de “Viagem à terra do Brasil”, de Jean de Léry; a “visão” do velho tupinambá; um pouco sobre o cronista, França Antártica e perseguições aos protestantes

Jean de Léry contava vinte anos de idade em 1556 quando partiu para a França Antártica (colônia protestante fundada pelo francês Nicolas Durand de Villegagnon na Baia de Guanabara no ano anterior).
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Aquela época era de conflitos religiosos provocados pelo desentendimento entre católicos e reformados... Isso explica a tentativa de formar a colônia com famílias protestantes, ainda em que território proibido pelo Tratado de Tordesilhas (1494). O Brasil era palco da disputa entre portugueses e franceses – maírs e perôs, como eram chamados pelos tupinambás - ávidos pelas riquezas (notadamente o pau-brasil) existentes no território.
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Depois de pouco mais de meio ano, Villegagnon desentendeu-se com colonos e missionários calvinistas, entre eles o jovem Léry... Eles acabaram expulsos da França Antártica... Foram acolhidos pelos índios tupinambás que habitavam a região, mas nem todos aceitaram permanecer entre os nativos.
É certo que os que tentaram retornar à segurança da colônia (protegida pelo Forte Coligny) terminaram mortos pelo líder...
Léry é considerado um dos principais cronistas do Brasil dos tempos coloniais... Não há dúvida de que o período em que permaneceu entre os tupinambás (cerca de dois meses) tenha sido de suma importância para os seus registros acerca de impressões sobre a aventura francesa no trópico; sobre aspectos geográficos do lugar; e sobre o modo de ser dos indígenas.
Conta-se que o retorno de Léry para a França foi dos mais traumáticos. Primeiro porque ele e os companheiros improvisaram sua fuga em embarcação precária e sem os recursos necessários para a longa travessia. Em segundo lugar, como não podia deixar de ser, a viagem exigiu sacrifícios imensos... Eles recorreram a meios inusitados para solucionar a falta de víveres. E por fim vale ainda destacar que por pouco não acabaram prisioneiros logo que terminaram sua aventura ao desembarcarem em terras francesas.
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A reprodução de fragmento de documento que segue contempla recorte de conteúdos a partir dos tópicos: História; Cidadania; Ética; Natureza; Preservação da Memória e Patrimônio indígenas da América e do Brasil; Diversidade Cultural.


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Fragmentos de Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry; texto destacado em Os índios do Brasil, de Julio Cezar Melatti.

Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan (madeira pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraímos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: - e porventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. - Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, - acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: - Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: - e quando morrem para quem fica o que deixam? - para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes, para os irmãos ou parentes próximos. - Na verdade, continuou o velho, que como vereis, não era nenhum tolo - agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados (...)

Leia: Índios do Brasil. Editora Edusp.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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