sexta-feira, 5 de junho de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Henri combinou com Truffaut alguns detalhes sobre o passado de Mercier; Yvonne e Lais, as duas que acusavam o delator bandido; Henri jogou com o seu prestígio e talento para a dissimulação para manter o falso testemunho

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_3.html antes de ler esta postagem:

A decisão de Henri (de dar o falso testemunho livrando Mercier da prisão, e salvando Lucie e Josette Belhomme de futuras implicações com a Justiça) era um indicativo do quanto estava mergulhado num enredo totalmente desvinculado de seu passado antifascista.
Pelo visto não haveria volta... Então não tinha sentido escrever para Dubreuilh ou procurar Lambert para uma conversa franca... Não ter amigos significava viver confortavelmente sem a necessidade de “prestar contas“... Era preciso “estar só” para seguir a passos largos até o juiz instrutor.
(...)
Algumas providências tiveram de ser tomadas...
Henri estava “dando de ombros” ao próprio futuro... Ele não era ingênuo ao ponto de desconsiderar que o falso testemunho pudesse ser revelado... Seu nome ainda poderia ser utilizado por gaullistas e comunistas nas polêmicas que certamente viriam.
Com decisão, procurou o advogado Truffaut para combinar a “carreira de duplo agente de Mercier”. Depois do acerto, restava sair-se bem na dramatização do papel a que se dispôs.
(...)
Ao colocar em cena o seu prestígio, saiu-se muito bem.
No gabinete do juiz, declarou com convicção que “um agente bilateral” tem de dar garantias ao inimigo... Com desenvoltura, explicou ao juiz que tudo era combinado com ele... Assim, Mercier jamais se dirigiu aos alemães sem que as informações fossem discutidas entre ambos...
Henri disse muito mais... Garantiu que Mercier jamais deixara escapar para os alemães qualquer atividade que pudesse comprometer a Resistência... O próprio L’Espoir só podia circular clandestinamente por causa da atuação do acusado.
Mercier ouviu o depoimento e comportou-se exemplarmente, como se fosse mesmo um dos camaradas que lutaram contra a ocupação...
(...)
O sorriso de Mercier deixou Henri irritado porque no fundo ele sabia que, por causa dele e de tipos como ele, Borel, Fauchois ou tantos outros haviam caído nas mãos dos nazi... Mas Henri não podia ficar pensando sobre a sorte de Mercier, que sobreviveria rico e feliz... Seu testemunho estava proporcionando essa grande injustiça, e era para isso que ele estava ali.
(...)
O juiz não estava totalmente convencido...
Disse que em algum momento Mercier teria passado para o lado inimigo e, assim, tornou-se traidor.
O oficial de justiça trouxe à sala as duas que o acusavam... Henri não as conhecia, mas sabia que elas tinham passado cerca de um ano em Dachau. Yvonne parecia recuperada fisicamente; Lisa Peloux se apresentava muito abatida, pálida e magra... Ele soube imediatamente que teria de mentir diante delas se pretendesse levar o seu jogo em frente.
(...)
Yvonne repetiu o depoimento de acusação sem deixar de olhar para os olhos de Mercier. Em síntese, ela explicou que às duas horas da tarde de 23 de fevereiro de 1944 se encontrou com Lisa na ponte de Alma... Mas foram surpreendidas por dois soldados alemães que foram encaminhados ao local pelo acusado...
Yvonne ofereceu detalhes a respeito da aparência de Mercier e do casaco marrom que vestia na ocasião... Henri foi taxativo ao garantir que elas só podiam estar enganadas em relação à pessoa que as havia delatado porque naquela data específica Mercier estava com ele em La Souterraine... Disse que os dois tinham passado o dia com outros companheiros que iriam lhes passar o plano de soldados americanos sobre os entrepostos que estes construíram alguns dias depois.
As duas insistiram que tinham certeza de que o delator era exatamente aquele que estava diante delas... O juiz quis saber se Henri tinha certeza em relação à data... Ele deu seu testemunho sem pestanejar ao declarar sob juramento que “o bombardeio foi no dia 26; as indicações foram transmitidas no dia 24”... E que nos dias 22 e 23 de fevereiro eles estiveram juntos em La Souterraine...
(...)
Pobres moças... Elas insistiam que foram presas no dia 23... Henri interveio garantindo que elas não podiam ter certeza a respeito do delator, já que o tinham visto por breve instante... Ele, ao contrário, podia confirmar que conhecia Mercier muito bem porque tinha trabalhado por dois anos com ele e, sendo assim, tinha razão ao afirmar que elas só podiam ter sido entregues por outra pessoa.
Yvonne e Lisa tornaram-se confusas... Elas tinham certeza a respeito da acusação que faziam, mas também tinham plena confiança em Henri... Yvonne argumentou que talvez o irmão gêmeo de Mercier tivesse feito o trabalho sujo, porém o juiz esclareceu que ele não possuía nenhum irmão.
Henri sentenciou que o tempo que passou desde aqueles acontecimentos levou-as a associar a fisionomia de Mercier à do delator... O juiz quis saber se as duas mantinham seu depoimento... Manter a acusação seria colocar em dúvida o depoimento de Henri...
Elas concordavam que deviam retirar a acusação.
(...)
Henri leu mais de uma vez as folhas sobre o seu depoimento... Sem dúvida pensou sobre o horror que aquilo significava...
Teve vontade de seguir Yvonne e Lisa no momento em que deixavam a sala... Mas pensou que nada teria a lhes dizer...
Assinou os papéis e se retirou.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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