Às sete horas, o Chefe de Operações conduziu a maior parte do grupamento para a Base. O Comandante Sem Medo chamou dois dos guerrilheiros para acompanhá-lo. Os três dariam cobertura à ação do Comissário, Lutamos e Mundo Novo.
(...)
O Comissário e o Comandante
tomaram o cuidado de evitar as trilhas que davam para a mata. Por volta do
meio-dia se aproximaram da aldeia. Os guerrilheiros ouviram as conversas dos
adultos em seu cotidiano e o choramingar de crianças, então procuraram um sítio
mais afastado para prepararem o almoço.
Mais tarde, Lutamos e Mundo Novo partiram para um reconhecimento da
área. Retornaram depois de umas três horas e Sem Medo foi logo querendo saber
se havia saldados no local. Os dois explicaram que não se aproximaram demais e
por isso não traziam muitas informações. Não quiseram deixar rastros...
Disseram que localizaram o caminho que dava para a estrada.
O
Comissário considerou que ele, Lutamos e Mundo Novo podiam seguir para o local,
onde dormiriam... O Comandante ficaria com os outros dois camaradas. Sem Medo
deu sinal de aprovação, mas segredou ao oficial que o Chefe de Operações havia
alertado que deveriam tomar muito cuidado com Lutamos, de quem deviam
desconfiar sempre.
O Comissário fez ares
de interrogação querendo saber se o Comandante pensava o mesmo... Ele respondeu
negativamente, mas acrescentou que achava importante compartilhar a preocupação
do outro. O oficial não prolongou o assunto e apenas sentenciou que se Sem Medo
tivesse retornado para a Base, conforme sua sugestão, podia estar a fumar
tranquilamente naquele mesmo momento.
O
chefe respondeu que era preciso “saber retardar o prazer”.
(...)
Depois de uma hora de
caminhada, o Comissário, Lutamos e Mundo Novo chegaram ao local onde pretendiam
passar a noite.
O avançado da hora já
tornara escuro o ambiente. Os três posicionaram-se a cerca de dez metros da
estrada e envolveram-se na folhagem que se emaranhava às lianas, assim
tornaram-se invisíveis e adormeceram.
De madrugada, foram despertados pelas vozes que iniciavam o
dia na sanzala... Os guerrilheiros tinham os corpos doloridos e trataram de se
libertar das raízes incômodas. Logo iniciaram o avanço em direção à estrada e
se posicionaram bem perto de onde as pessoas passariam.
Os latidos dos cães
geravam a desconfiança de que talvez não estivessem tão escondidos. Mundo Novo
chegou a pensar na estranheza da situação, já que estavam escondidos na
tentativa de entregar dinheiro a um homem. Mas podiam ser confundidos com
ladrões que pretendessem subtrair algo das pessoas de bem. O colonialismo podia
provocar aquele tipo de aberração!
(...)
Dois homens vinham pelo caminho... Eles conversavam sobre o episódio do
ataque guerrilheiro ao local de extração da madeira.
Os guerrilheiros se empolgaram, mas o Comissário alertou que não podiam
se aproximar mais... Por fim Lutamos quem afirmou que nenhum dos tipos era o
mecânico. Ele podia garantir porque conhecia a voz.
Depois de uns quinze minutos, surgiu novo vulto
no caminho. Dessa vez era uma mulher que se dirigia para a lavra.
O dia já se tornava
claro... Há uns dez metros avistaram outros dois tipos. Dessa vez reconheceram
que um deles era o mecânico... O outro era o mais velho, aquele mesmo que tinha
uma das pernas defeituosa.
O Comissário esperou o momento mais apropriado para chamar... Quase que a
sussurrar, exclamou “Malonda!” O mecânico voltou-se para o local desde onde
vinha o chamado, então Lutamos retirou-se da camuflagem para se anunciar e
pedir que ele se aproximasse.
Os
trabalhadores reconheceram o guerrilheiro... Por um instante ficaram
desconfiados e olharam na direção da aldeia. Lutamos insistiu para que se
aproximassem e assim eles fizeram.
O mecânico e o mais
velho saíram do caminho e acompanharam os guerrilheiros para local mais
afastado. Depois o Comissário explicou que estavam ali para devolver o dinheiro
que havia sido roubado por um dos camaradas. Emendou que ele seria devidamente “julgado
e castigado” pela atitude indevida.
Ainda
assustado, o trabalhador perguntou se tinham ido até ali apenas para
devolver-lhe o dinheiro... Na sequência disse que a iniciativa havia sido das mais
perigosas. Mundo Novo respondeu que pertenciam ao MPLA, movimento
revolucionário que defendia o povo... De modo algum admitiam prejudicar a gente
do povo!
O mecânico disse que
não havia a menor importância e que teria sido melhor não procurá-lo. O
Comissário explicou que fizeram o que tinham de fazer. Salientou que não
queriam que pensassem que os guerrilheiros eram bandidos, como os portugueses
propagavam.
O
homem insistiu que não se importava, e que oferecia o dinheiro ao movimento. Garantiu
que estava sendo sincero.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto