Estamos no ponto em que J.R. Isidore inicia o dia (aquele no qual toda a história se passa)... Ele fazia a barba enquanto ouvia a televisão sintonizada no único canal a que o aparelho tinha algum acesso... Vimos que este tipo morava num imenso e abandonado prédio e que, além de “especial” tratava-se de um “cabaça de galinha”... A falação na televisão girava em torno das vantagens que os “normais” teriam se se mudassem o quanto antes para uma das colônias espaciais... Tudo muito maçante para J.R. que já estava atrasado para o trabalho.
Ao desligar a televisão o silêncio arrebatador que dominava toda localidade mais uma vez se apossou do ambiente.
(...)
Não seria melhor deixar a
televisão em constante funcionamento para não ter que pensar a respeito do
“silêncio que sufoca”?
O aparelho capenga só transmitia anúncios que
interessavam aos “normais” e reportagens que a todo o momento lembravam-no de
que não se passava de um “especial”, um tipo “não desejado”, sem utilidade...
Para que ouvir a televisão? Isidore só podia esperar sinceramente que
todos se estrepassem e que também as colônias espaciais fossem palcos de
guerras como a que dizimou a Terra.
Ele pensou a esse respeito e decidiu que era momento
de trabalhar... Mas no instante mesmo em que abriu a porta, e reconheceu o
vácuo pelos corredores escuros do “interminável prédio”, percebeu que não
estava pronto para percorrer as escadarias até o piso de saída (onde sabia que
certamente não toparia com qualquer ser vivente)...
Em vez de se encaminhar para o trabalho, J.R. Isidore resolveu recorrer
à caixa de empatia...
(...)
O que segue descrito dá a entender em que consistia o ritual de “fusão
física” com Wilbur Mercer:
Isidore ligou o aparelho e o tubo de raio catódico se iluminou tal como
os aparelhos valvulados de televisão... Cores se embaralharam... Depois disso
ele tomou os manetes, segurou-os com firmeza, um em cada uma das mãos.
Aos poucos a imagem se formou e revelou a paisagem conhecida por aqueles
que buscavam a identificação e fusão física, mental e espiritual com Mercer...
O ambiente de interação era estéril, de ervas secas e céu estranhamente
nublado... Numa íngreme colina via-se um velho trajando surrada túnica... Este
tipo é o velho Mercer...
Conforme apertava os
manetes, Isidore sentia o seu ambiente real se desvanecer... Sala, paredes e
móveis sumiram de sua consciência... Aos poucos ele deixou de ver o ancião para
se tornar, ele mesmo, o tipo que subia a colina e sofria com as dores nos pés
provocadas pelas pedras do caminho... Devoto e praticante do “mercerismo” ele
conhecia bem aquela experiência... Sabia que logo respiraria uma “atmosfera
amarga” que descia do céu sombrio...
Definitivamente o
lugar nada tinha a ver com a Terra, e a caixa de empatia o subtraía cada vez
mais do imenso e abandonado prédio.
Qualquer um que, no mesmo instante, na Terra ou em qualquer das colônias
espaciais, fizesse o mesmo ritual (bastava apertar os manetes da caixa de
empatia) pelo qual Isidore estava passando, vivenciaria a mesma experiência...
Disso resultava (sempre) a incorporação dos pensamentos e conflitos
existenciais dos demais “fiéis”...
Mas o que, afinal, todas
essas pessoas buscavam ao pretenderem a fusão com Wilbur Mercer?
O mestre (cada um experimentando a personificação) os
levava a subir a colina...
A cada dia que se
passava, velhas e novas distâncias eram percorridas... A sensação de pedras nos
pés se repetia sempre...A cada fim de jornada, uma contemplação do próximo trecho a ser vencido...
“Impossível divisar o fim. Longe demais. Mas o fim viria”...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/09/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_29.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto