sexta-feira, 19 de setembro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – início do livro, início do dia de Rick Deckard e da esposa Iran; o penfield e as possibilidades de se ajustar o próprio estado de espírito; Deckard, um caçador de recompensas a serviço da polícia, almeja apenas um dia normal de trabalho; hábitos depressivos de Iran

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/09/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas.html antes de ler esta postagem:

O dia de Rick Deckard teve início com uma “curta e gostosa onda elétrica” disparada pelo alarme do “sintetizador de ânimo”... Acordou satisfeito e “de bem com a vida”. Iran, a esposa, abriu apenas um dos olhos e como que a reclamar foi dizendo que regularia o “penfield” do marido... Deckard protestou exigindo que ela não mexesse em sua programação... Falaram algo a respeito da afinação (dó ou ré) e ele arrematou que não tinha intenção de, com uma onda de nível mais alto, “ficar feliz ao acordar”... Bastava-lhe o ajuste que havia determinado.
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Iran era um tipo deprimido e amargo também... De modo ríspido, exigiu que Rick tirasse sua “mão suja de policial” de seu ombro... De sua parte, apesar de haver acertado o seu “programador de ânimo” para uma condição amistosa, acabou se irritando ao garantir que não se tratava de um tira...
(...)
O diálogo que dá início ao livro permite-nos conhecer a identidade profissional de Deckard... Iran dispara que ele é pior do que um tira, já que na verdade era contratado pela polícia para cometer assassinatos... Deckard garante que jamais matara um ser humano, e a esposa (como que a dizer que dava no mesmo) arremata que as vítimas do marido eram os “pobres andys” (andys = androides).
Na sequência da discussão vemos Rick se defender dizendo que ela nunca reclamou do dinheiro que ele trazia para casa...
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Então é isso, o tipo obtinha recompensas pela eliminação de androides.
Enquanto justificava a sua labuta, questionava a postura de Iran, que não se preocupava em economizar dinheiro para poderem comprar uma ovelha de verdade... Deckard queria que ela entendesse que o dinheiro que recebia pelo trabalho podia ser investido na troca da ovelha elétrica que possuíam (fizemos um breve relato na postagem anterior a respeito dessa ambição)...
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A conversa descambara para a agressão verbal, e Deckard pensou se deveria ajustar o seu “sintetizador de ânimo”... Se quisesse, poderia eliminar a própria raiva escolhendo um “supressor talâmico”... Se escolhesse o “estimulador talâmico”, sua irritação seria suficiente para “vencer a discussão”.
Iran percebeu o vacilo do marido e dirigiu-se imediatamente para o seu aparelho garantindo que, se ele estimulasse a própria irritação, ela posicionaria o dela na posição máxima...
No entanto, Iran fez a ameaça e apenas o encarou.
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Deckard deu-se por vencido e garantiu que escolheria o que havia registrado na própria agenda para aquele dia (3/janeiro/1992 – o texto é de 1966)... Quis saber se a esposa também ajustaria o seu ânimo sem levar em consideração aquele desacordo matinal.
Ela respondeu que a sua programação para aquele dia era uma “depressão autoacusatória de seis horas”...
Rick estranhou que o aparelho oferecesse aquela opção esdrúxula, e mais ainda que alguém pudesse escolher ficar deprimido em vez de animado.
Então Iran contou-lhe que numa ocasião ouvia o programa do “Buster Gente Fina e Seus Amigos Gente Boa”, quando o apresentador anunciou que divulgaria uma notícia muito importante... Mas, antes da revelação, a televisão passou a tocar a propaganda que ela mais detestava (do protetor genital de chumbo Mountibank)... Por isso ela desligou o aparelho, o que possibilitou-lhe ouvir sons vindos dos apartamentos vazios do antigo conjunto residencial...
Rick entendeu o que a esposa estava dizendo... Ele mesmo já ouvira os deprimentes sons dos condomínios que, antes da guerra, eram de ocupação elevadíssima... Mas nunca se interessou em investigar o que se passava por lá.
Iran continuou a se explicar e disse que no momento em que havia desligado a televisão estava no estado de espírito 382... Ouviu o vazio, mas não conseguiu senti-lo... Lembrou-se de agradecer por terem um “sintetizador Penfield” (talvez uma referência aos potenciais equipamentos medicinais que poderiam ser desenvolvidos a partir das pesquisas de Wilder Penfield no campo da neurociência)... Mas ao mesmo tempo constatou que sua situação podia ser doentia, já que podia perceber a “ausência de vida” no prédio (e em tudo à sua volta) sem “reagir a nada”.
(...)
O que Iran queria dizer é que aquilo (“ausência de afeto adequado”) podia ser um sintoma de doença mental... Na ocasião fez vários testes no simulador e descobriu um ajuste para “desilusão”... Desde então ela programava esse sentimento duas vezes por mês... Assim podia se sentir desiludida em relação a tudo, inclusive em relação a ter permanecido na Terra enquanto a maioria (a “ralé”) emigrou.
Rick a alertou que um ajuste daqueles poderia provocar uma permanente desilusão... A mulher respondeu que programava o aparelho para três horas e que ele mudava para o estado de espírito 481 automaticamente... Ele disse que conhecia o 481, que inspirava algo como “esperanças futuras”, mesmo assim garantiu que a interrupção automática não significava nenhuma garantia quando a condição da pessoa era de depressão.
Demonstrando preocupação com a esposa, Rick sugeriu que ambos digitassem um 104... Depois ele trocaria para o mais adequado à sua atitude profissional, subiria para checar a ovelha e seguiria para o escritório... Disse essas coisas enquanto detinha as mãos de Iran entre as suas...
Na sequência encaminhou-se para a ampla sala, onde ligou a televisão... Do quarto, Iran reclamou que não suportava TV antes do café da manhã... Rick sugeriu que ela sintonizasse o 888 no “penfield”, pois isso incutiria nela a vontade de assistir a programação sem se importar com conteúdo... Era só o tempo de a válvula da TV esquentar (como se vê, talvez propositalmente, PKD não previa – ou não imaginava - a evolução técnica desse aparelho).
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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