domingo, 21 de setembro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – mais sobre o mercerismo e a importância de se dedicar a um animal; Deckard se interessa pelo potro da percheron do vizinho e conta-lhe a respeito da perda de sua verdadeira ovelha

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/09/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_43.html antes de ler esta postagem:

Estamos no início, mas os fãs de Blade Runner que não leram o texto de P.K. Dick devem ter notado muitas diferenças entre o que conhecem do filme e o relatado por aqui... O Deckard do filme não é casado e nem cuida de uma ovelha elétrica... Mas em breve teremos uma ideia de onde certos diálogos e atitudes evidenciados no trabalho de Ridley Scott foram retirados...
(...)
Barbour, o vizinho, declarou que sua égua estava grávida... Esclareceu que possuía “plasma fertilizante da mais alta qualidade”... Seus contatos no Departamento Estadual de Criação Animal garantiram-lhe êxito...
O tipo se gabava ao lembrar que o próprio inspetor do departamento manifestara desejo de receber o potro gerado por Judy... Não possuir um animal real era constrangedor para as pessoas... Pessoalmente, Deckard talvez nem se importasse, mas levava em consideração a opinião de Iran.
Qualquer um adoraria ter um cavalo... Deckard não era diferente e perguntou se o outro não lhe venderia a égua... Barbour explicou que seria imoral desfazer-se daquela criatura tão valiosa... Deckard deu entender que a posse de dois animais seria ainda mais imoral, então ele poderia vender-lhe o potro.
Barbour não concordou com a ideia e argumentou que havia pessoas com até quatro animais... A conversa rendeu porque o assunto era do interesse de todos... O tipo lembrou que certo Fred Washborne, dono de um “laboratório de processamento de algas” era um desses casos. Falou sobre esse exemplo perguntando se Deckard não havia lido o ”Chronicle” do dia anterior sobre um imenso e pesado pato, propriedade de Washborne...
Deckard retirou do bolso o catálogo da “Sidney’s Animais & Aves Domésticas”, verificou e anunciou que poderia comprar um potro Percheron por cinco mil dólares... O outro esclareceu que, como o preço estava em itálico, a Sidney’s não tinha o animal em estoque... Rick se dispôs a pagar os cinco mil em dez meses pelo potro do vizinho, mas Barbour explicou que em se tratando de Percherons a negociação era muito complicada porque eles “simplesmente não mudam de mãos”, era exatamente por isso que a loja especializada não tinha como vendê-los... Esclareceu também que adquiriu a Judy no Canadá arriscando a própria vida porque havia quadrilhas que perseguiam donos de Percheron... Antes da guerra havia centenas... Mas agora a situação era outra.
Deckard lembrou que os princípios teológicos do mercerismo (a religião de Mercer) condenavam a condição de Barbour, proprietário de dois cavalos, enquanto ele não possuía nenhum... Mas o outro dava mostras de que não se sensibilizava pelas palavras de Deckard... Bem ao contrário disso, emendou que ele já possuía uma ovelha para a qual se dedicava e, sendo assim, podia tranquilamente segurar os “manetes de empatia”... Seu esmero para com a criatura garantia sua “ascensão espiritual” e “fusão com Mercer”... Arrematou que estaria incorrendo em erro se, de fato, Deckard não possuísse nenhum animal...
Barbour disse que sabia que os moradores do prédio possuíam animais... E citou Graveson, que cuidava de uma galinha, Oakes e a esposa tinham um cachorro ruivo... O próprio Deckar podia observar à sua volta porque os cercados estavam todos uns próximos aos outros no alto do prédio... O tipo citou que certo Ed Smith cuidava de um gato em seu apartamento, mas ninguém jamais viu o bicho, então podia ser mentira.
(...)
O pelo da ovelha de Deckard era verdadeiro... Ele a acariciou até encontrar a tampa de um painel eletrônico para mostrar a Barbour... Depois explicou o seu desejo de possuir o potro que nasceria da égua Judy... Disse que possuía uma ovelha verdadeira, a Groucho, herdada do pai de Iran, quando este emigrou, mas depois de algum tempo ela se tornou doente e não mais conseguiu se levantar... Era certo que ela morrera de tétano depois de morder um arame que envolvia o feno.
Barbour lamentou a tragédia do vizinho... Mas não havia como não admitir que a réplica fosse “de primeira”... Deckard esclareceu que a loja que fabricava animais artificiais a construiu a partir de uma fotografia da Groucho.
O caçador de recompensa garantiu que tinha de dedicar a ela a mesma atenção que dispensava à de verdade... Algumas vezes teve de enviá-la ao conserto... Os tipos da oficina até chegavam trajando aventais de veterinários!
Mas é claro... Barbour sabia que não era a mesma coisa... Enquanto Deckard seguia em direção ao seu carro, o tipo chegou mais uma vez perto dele para garantir que não comentaria a respeito de sua ovelha com ninguém do prédio...
(...)
Deckard começou a agradecer, mas disse que talvez não tivesse importância alguma... Barbour lembrou que, nos tempos que se seguiram ao fim da guerra mundial, não cuidar de um animal era considerado crime... Os tempos haviam mudado, mas pessoas que não cuidavam de um animal ainda eram vistas como antipáticas...
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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