Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:
Sem dúvida, o movimento reformista e a prensagem
de textos foram acontecimentos importantes... No caso em questão, permitiram
que um tipo como Menocchio, de provinciana comunidade, pudesse vivenciar as
situações relatadas... Como sabemos, ele acabou sustentando ideias muito
perigosas para o seu tempo...
Em consonância com o
pensamento reformista, Menocchio levou a cabo a prerrogativa de falar sobre o
que pensava da Igreja e do mundo que o cercava... Em relação aos textos
impressos, sabemos o quanto foram utilizados (à sua maneira), e como se
apropriava de trechos, frases e palavras para justificar o seu pensamento ante as
autoridades religiosas... Notamos que, oriundo de um meio analfabeto, o moleiro
valorizava os conteúdos implícitos nos textos a que tinha acesso... Seguia
posicionando-se desafiadoramente ao sentenciar que os inquisidores e as demais
autoridades religiosas jamais admitiriam que os pobres conhecessem o conteúdo que eles
tinham por exclusivo.
As palavras de Menocchio
mesclavam termos comuns do cotidiano camponês a palavras acadêmicas... No Fioretto della Bibbia ele teve acesso a
conceitos “perfeito”; “imperfeito”; “substância”; “matéria”; “vontade”;
“intelecto”; “memória”... Eles aparecem em seus depoimentos mesclados a outros
do cotidiano camponês: “criança no ventre da mãe”; “rebanho”; “carpinteiro”;
“banco”; “trabalhador”; “queijo e vermes”...
No capítulo III do Fioretto (como Deus não pode querer o mal e muito
menos recebê-lo) nota-se a mistura dos termos cotidianos aos acadêmicos...
Há um trecho que justifica o enunciado garantindo que Deus “ordenou os
elementos de forma que um não interferisse no outro (...). Alguns dizem que o
mundo durará eternamente, (...), quando um corpo morre, a carne e os ossos
voltam àquela matéria a qual foram criados (...) podemos ver facilmente a
função da natureza, como ela concilia coisas discordantes de modo que todas as
diversidades são reduzidas à unidade, (...) em cada substância: e combina
também em plantas e sementes”.
Na sequência temos os
exemplos da combinação do homem e da mulher; e o do planeta Júpiter, que gera
outras criaturas (e através dele) outras são geradas de acordo com a ordem na
natureza.
O Fioretto usava o método escolástico
(enunciado de uma tese e o desmantelamento de “opiniões errôneas”). Embora
“pobre e desordenado” este material aguçou a curiosidade intelectual de
Menocchio... O Fioretto fazia ataque
às especulações filosóficas acerca da alma (no capítulo XXVI: como Deus inspira as almas nos corpos; se
são eternas; se são uma e os elementos quatro e mais o Orbis do qual Deus teria feito a alma de Adão e todas as demais; se
são espíritos malignos que decaem e entram nos corpos humanos um após o outro
conforme morrem, ...).
A
reação de Menocchio aos ataques do Fioretto
àquelas livre-interpretações foi a de “procurar coisas maiores” e, incentivado
pela pluralidade de ideias, formular o seu próprio pensamento servindo-se de
conjecturas diversas, que não lhe pertenciam... O resultado foi a mistura de
idéias (“embebidas de cristianismo, neoplatonismo e filosofia escolástica”) que
justificavam o “materialismo elementar” transmitido oralmente entre os
camponeses.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto