quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – coincidências entre o conteúdo da cosmogonia de Menocchio, “Divina Comédia” e mitos mais antigos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_16.html antes de ler esta postagem:

O que pode ser depreendido é que as autoridades se interessavam pela cosmogonia de Menocchio. Tanto é que, a partir de suas perguntas, procuraram minúcias... Ginzburg ressalta a recusa do moleiro em atribuir a criação do mundo à divindade e, além disso, a sua insistência em manter suas afirmações a partir da metáfora do “queijo e dos vermes”, os anjos que surgiram... Neste ponto, Ginzburg cita trecho da Divina Comédia (Purgatório, X; 124-25): “Vermes nascidos para formar singela borboleta”... Sobre este fragmento, Vellutello (estudioso italiano que em 1544 publicou comentários e 87 ilustrações sobre La Comedia di Dante Alighieri) registra:
“Angélica, isto é, divina, tendo sido criada por Deus para preencher os lugares que os anjos negros perderam, expulsos do céu”... É mesmo verdade que Menocchio teria dito “que Deus fez Adão e Eva e toda uma multidão para “preencher os lugares dos anjos expulsos”. Teria Menocchio lido Dante? Por que será que (em caso de resposta afirmativa) os versos se fixaram em sua mente?
Ginzburg leva-nos a refletir sobre essas questões e destaca que a analogia não havia sido retirada de livros pelo moleiro... Ele simplesmente a usava para “explicar o nascimento dos seres viventes” Pode-se dizer que esse tipo de explicação (a “geração espontânea”) era compartilhado por estudiosos que procuravam se afastar do dogmatismo bíblico.
Ginzburg explica que, mais de um século depois, essa doutrina “mais científica” ainda persistia, e cita os experimentos de Francesco Redi. Surpreendente é a relação (feita por Walter Raleigh) entre “a mulher que faz o queijo e o filósofo natural: ambos sabem que o coalho faz coagular o leite na batedeira, mesmo não sabendo explicar por que”.
Há uma tremenda coincidência entre o conteúdo das palavras de Menocchio (em sua cosmogonia) e mitos bem antigos. Num deles, encontrado nos Veda, a origem de tudo estaria na coagulação (como ocorre com o leite) das águas que teriam sido agitadas pelos deuses... Entre os calmucos (povo de origem mongol; nômades, sua região foi conquistada pela Rússia desde o tempo do império; seguidores do budismo) há a ideia de uma superfície mais encorpada que teria se sobreposto às águas do mar, e dela teria surgido tudo (deuses, plantas, animais, homens...)... Tremendas coincidências.
Um século depois, Thomas Burnet (teólogo inglês) refletiu e escreveu sobre aquela cosmogonia indiana... Ele procurava aproximar a Escritura das ideias científicas de seu tempo...
E Menocchio? Dadas as evidentes impossibilidades de seu contato com os textos e estudos, conclui-se que a construção de sua cosmogonia seja resultado da transmissão oral, geração após geração...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_13.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.

Um abraço,
Prof.Gilberto

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