Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:
O inquisidor quis
esclarecimentos a respeito da cosmogonia de Menocchio antes que pudesse
concluir o processo... Assim, a confusão de ideias manifestada pelo moleiro foi
o foco do interrogatório que se deu a 12 de maio de 1584.
A primeira questão foi relativa à contradição do
moleiro, que em determinada resposta havia declarado a coexistência Deus-caos,
mas em outra havia dito que Deus tinha surgido do caos... Em resposta a isso,
Menocchio disse que Deus é eterno com o caos, ”mas não conhecia a si próprio e
nem era vivo”... Tendo depois “se conhecido”, Deus teria “sido feito do caos”.
Outra questão era sobre a
informação de Menocchio sobre Deus ser dotado de intelecto... Então, como é que
de início não conhecia a si mesmo? O que fez com que passasse a se conhecer? O
que fez com que Ele se tornasse vivo? O interrogado disse que, com Deus,
ocorreu o que acontece a todas as coisas de nosso mundo que vão da imperfeição, e/ou estágio simplificado, a uma condição perfeita e mais complexa... Como
exemplo, citou a passagem das crianças da condição pré-natal (quando não
compreendem a vida) para a de nascidas e aptas ao crescimento e à compreensão
das coisas.
A partir dessa resposta, o
inquisidor quis saber se esse intelecto divino conhecia todas as coisas e seus
detalhes... Menocchio disse que sim, havia o conhecimento de todas as coisas que
deveriam ser feitas, e que sabia do homem, mas sem conhecer todos os que
nasceriam a partir deste... E deu o exemplo dos pastores que sabem de quais
animais de seu rebanho nascerão outros, mas não sabem nada a respeito dos que
nascerão... Portanto, admitiu Menocchio, “Deus via tudo” sem saber maiores
detalhes do que ainda estava por ocorrer.
Então o inquisidor perguntou de onde o “intelecto divino”, que tinha
conhecimento de todas as coisas, teria recebido tais informações... De sua
própria essência ou de outra parte? Menocchio respondeu que era o caos que
transmitia o conhecimento... Nele todas as coisas estavam confundidas... Mas na
sequência esse “intelecto divino” recebeu ordem e compreensão do caos... Aos
poucos, tudo (ar, terra, água e fogo) pôde ser distinguido.
Perguntado se Deus não
possuía vontade e poder antes que fizesse todas as coisas, Menocchio falou que,
em Deus, vontade e poder cresciam na medida em que (Nele) crescia o
conhecimento... Depois dessa afirmação, ele explicou que poder e querer são
distintos. E exemplificou com situações práticas de nossa existência (o caso do
carpinteiro que pretende fazer um banco e que, para isso, precisa de
instrumentos e madeira, pois, sem isso, sua vontade é inútil). Sintetizou
dizendo que, além do querer, é preciso poder... E assim também é com Deus.
O “poder de Deus”, de
acordo com Menocchio, manifestava-se na sua condição de “operar através de
trabalhadores”... O inquisidor entendeu que esses “trabalhadores” seriam os
anjos, mas perguntou se eles teriam sido feitos por Deus... Menocchio respondeu
que eles foram feitos pela natureza, da “mais perfeita substância do mundo”, “assim
como os vermes nascem do queijo”... Deus os abençoou e eles “receberam vontade,
intelecto e memória de Deus”... E (perguntado que foi) Menocchio completou que
Deus poderia ter feito todas as coisas sozinho, mas contou com a ajuda dos
anjos e (assim como aquele que sabe construir sua casa recebe o auxílio de
ajudantes) tudo se fez em menos tempo.
O inquisidor quis saber se
Deus teria feito tudo o que há no mundo se não tivesse existido a substância
que deu origem aos anjos... Menocchio respondeu que Deus nada faria se não
existisse matéria... Ele ainda teve de explicar sobre a natureza e essência de
Deus em relação ao “espírito ou anjo supremo” (o Espírito Santo)... Então, como
que a estabelecer uma hierarquia, Menocchio seguiu dizendo que a substância de
Deus é a mais perfeita, embora os anjos sejam provenientes da mesma essência...
Deus é a luz mais perfeita, e sua substância não é a mesma do Espírito Santo...
Cristo é de substância inferior em relação a Deus e ao Espírito Santo... Com
essas afirmações, e indagado que foi, Menocchio explicou ainda qual das
entidades era a mais poderosa.
Por
último vemos o inquisidor perguntando se Menocchio podia explicar se Deus foi
feito ou produzido por alguém... Ele respondeu que Deus não foi produzido por
outros, mas seu movimento se deve às mudanças do caos, e ocorre da imperfeição
para a perfeição... Então, o que move o caos? Menocchio garantiu que ele se
move sozinho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto