domingo, 21 de janeiro de 2024

“O Caso dos Exploradores de Cavernas – após a condenação à morte na forca, petições de prisão por seis meses ao Chefe do Poder Executivo; o voto do juiz Truepenny consonante com a condenação em primeira instância e sua observação acerca de possível movimentação em favor da clemência aos réus; o juiz Foster adverte sobre o tribunal colocar em julgamento a própria legislação do país ao votar pela punição máxima; o “tribunal do senso comum” o condenaria; se a apelação ao Chefe do Executivo podia apaziguar as consciências dos juízes, então a legislação talvez não fosse apropriada à aplicação da Justiça; começo de apresentação de premissas que afastariam os réus da coerção da Lei


A sentença foi a de morte na forca...
A legislação nacional não permitia qualquer “amenização” à punição, mas aconteceu que depois que o júri foi dissolvido seus membros elaboraram nova petição, dessa vez ao Chefe do Poder Executivo, solicitando que a sentença fosse mudada para “prisão de seis meses”. Também o juiz de primeira instância redigiu petição similar e a encaminhou ao mesmo Chefe do Poder Executivo.
O Juiz Truepenny destacou que o Executivo se demorava em relação às petições e que certamente isso era uma indicação de que esperasse pela decisão dos juízes da segunda instância. Manifestando seu voto destacou que em sua opinião, tanto o juiz da primeira instância quanto os jurados, haviam seguido “uma trajetória correta e sábia”, aliás, a “única via que lhes restava aberta em face do texto legal”. Ressaltou que os ditames da legislação do país são claros e conhecidos de todos: “Quem quer que prive intencionalmente a outrem da vida será punido com a morte”. Esclareceu a fonte em que se baseava (“N.C.S.A §12-A”) e emendou que a referida “regra” não permitia qualquer exceção. Porém acrescentou que a “trágica situação” dos condenados atraia a sua consideração e simpatia.
Truepenny lembrou que aquele era o tipo de caso que podia suscitar “a clemência do Poder Executivo”, o que mitigaria “os rigores da legislação”. Propôs aos demais juízes que seguissem “o exemplo do júri e do próprio juiz de primeira instância” e que se solidarizassem com as petições que enviaram ao chefe do Executivo.
Ressaltou que havia razões para crer que os pedidos de clemência seriam deferidos. Principalmente porque haviam sido elaborados por pessoas que puderam estudar o caso e que estavam familiarizadas com as circunstâncias que o envolviam.
Depois de três meses de apurações na primeira instância, seria improvável que o chefe do Executivo denegasse as solicitações. Ademais, repetir a instrução equivaleria a proceder a “novo julgamento” e tal expediente se configura incompatível “com a função do Executivo”.
Por fim, o voto de Truepenny expunha o seu entendimento de que “alguma forma de clemência seria estendida aos acusados” e dessa maneira “a justiça seria realizada sem macular o texto ou o espírito da legislação e sem oferecer incentivo algum à sua transgressão”.

(...)

O segundo a manifestar o voto foi o juiz Foster.
Logo no começo de sua fala, Foster disse que o presidente do Tribunal apresentara a proposta aos pares como forma de “escapar às dificuldades do trágico caso”. Ao mesmo tempo sentenciou que a solução para o mesmo era “sórdida e óbvia”. Para ele, mais do que definir o destino dos “desafortunados exploradores”, tratariam de “julgar a legislação do país”. Em síntese, adiantou seu voto ao manifestar que se declarassem que os exploradores haviam cometido um crime, a própria lei do país seria “condenada no tribunal do senso comum”.
Foster argumentou que se a lei pela qual se orientavam os levasse a uma conclusão que suscitasse o sentimento íntimo de vergonha em cada um deles (e parecia ser o caso que dela só podiam “escapar apelando a uma exceção que se encontra no capricho pessoal do chefe do Executivo”), então teriam de admitir que ela (a lei que faziam observar) não incorporava “os preceitos básicos para a realização da justiça”.
Na sequência, o magistrado emendou que em sua opinião a lei não os forçaria a cravar que os quatro exploradores de cavernas fossem assassinos. Disse que a própria lei os levaria a concluir que eles eram inocentes de qualquer crime e apresentou duas premissas que justificariam a absolvição.
Foster adiantou que se a primeira delas não fosse considerada de modo imparcial despertaria forte “sentimento de oposição”. Disse que o “direito positivo”, o que estava em vigor, e que obviamente incluía “todas as suas disposições legisladas e todos os precedentes jurisprudenciais”, não podia ser aplicado ao caso porque o mesmo se relacionava ao que os antigos teóricos e pensadores da Europa e América denominavam “lei da natureza”. O “direito positivo pressupõe a possibilidade de coexistência dos homens em sociedade”, assim, se por acaso essa coexistência se torna impossível, “todos os precedentes jurisprudenciais e disposições legisladas deixam de existir”. Em outras palavras, o juiz queria fazer crer que o caso da caverna era uma exceção que escapava da coerção da lei, então citou uma máxima em latim (“cessante ratione legis, cessat et ipsa lex”) que significa “cessando a motivação da legislação, cessa a própria norma em questão” e afirmou que ela não era habitualmente aplicada aos ordenamentos jurídicos dos juízes, todavia insistiu que a referida máxima devia ser aplicada ao caso da caverna.
Leia: O Caso dos Exploradores de CavernasRussell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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