quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Corações Sujos", de Fernando Morais - Episódios no início de 1946 na cidade de Tupã

Sugiro que acesse http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2011/12/coracoes-sujos-de-fernando-morais.html antes da leitura deste texto.

Fernando Morais começa sua narrativa com o pronunciamento do imperador Hiroíto de 1º de janeiro de 1946... Tratava-se de uma exigência dos vencedores da guerra... O país estava ocupado pelo exército norte-americano, chefiado por Douglas MacArthur. O imperador declarava aos súditos sua “condição humana” e o acerto das condições de paz com as potências aliadas. Há milênios os japoneses aprendiam em templos xintoístas e nas escolas que seus imperadores tinham a condição de soberanos divinos.
Esse início escolhido pelo autor permitiu uma introdução às condições que os “súditos dos países do Eixo” enfrentavam no Brasil ao tempo da Segunda Guerra, além de revelar a atuação de sociedades secretas em meio à colônia japonesa.
O pronunciamento do imperador fora transmitido para todo o planeta e, graças às Ondas Curtas do rádio, chegou aos mais distantes rincões. É bem verdade que poucos o ouviram... Foi o caso da longínqua Tupã, cidade próxima a Marília, marcada por intensa imigração japonesa. Um dos ouvintes, sitiante brasileiro, aproveitou a ocasião para zombar de um vizinho japonês, o senhor Shigeo Koketsu... Ao chegar à modesta e rústica  moradia de Koketsu (no bairro Coim, de colonização japonesa), o brasileiro deparou-se com uma algazarra festiva em que famílias japonesas comemoravam o ano 21 da Era Showa (do reinado de Hiroíto)... O sitiante brasileiro soltou ofensas aos japoneses, noticiou a derrota de seu país e fez piada sobre a “condição humana” daquele que consideravam divino... Percebendo a ousada comemoração dos imigrantes, que infligiam a lei também ao manterem hasteada uma bandeira do império, o brasileiro rumou direto à delegacia de polícia.

Não demorou para que a Força Pública chegasse à casa de Koketsu. O cabo Edmundo Vieira Sá chefiava a operação e ordenou a apreensão dos vários objetos que comprovavam o delito... Ele próprio quis extrair a bandeira japonesa (Hinomaru) do mastro de bambu... Seu gesto provocou a indignação dos que participavam da celebração reservada... Reclamavam que não se toca na sagrada Hinomaru. O cabo desonrou ainda mais a bandeira japonesa ao esfregá-la em suas botas sujas de excrementos... Não é preciso entrar em detalhes sobre a prisão dos que mais protestavam. Eles foram interrogados madrugada adentro pelo subdelegado José Lemes Soares, que foi auxiliado pelo intérprete japonês Jorge Okazaki (um comerciante e contador que colaborava com a polícia)... É importante perceber que o próprio Okazaki sugere ao policial perguntar aos presos sobre o resultado da Guerra... Todos são unânimes em responder que o Japão saíra-se vencedor... José Lemes Soares concluíra que se tratava de um "bando de malucos".
Mas o episódio renderia muito mais... O colaborador da polícia Okazaki ficou apavorado ao deparar-se com uma pichação com caracteres japoneses em frente à sua casa na manhã do dia 3... O enunciado o orientava a “lavar a garganta”...  Ele sabia bem o significado disso... Era uma ameaça de morte! Okazaki foi à delegacia e disse que em Tupã havia uma perigosa seita secreta em que japoneses fanáticos lançavam mão de recursos militaristas para defender seu imperador e a tese de que o Japão havia vencido a guerra... Ele corria risco de morte por ter colaborado com a polícia...


À noite, sete japoneses cruzaram as ruas da cidade e dirigiram-se à delegacia, carregavam porretes e catanas (ao estilo sabres samurais). O soldado Juventino Leandro, que estava de plantão, saiu com arma em punho e ameaçou atirar no caso de tentarem libertar os prisioneiros da primeira noite do ano. Eiiti Sakane (terceiro da direita para a esquerda), de 38 anos, líder do grupo, manifestou que não estavam ali para outra coisa senão para matar o cabo Edmundo, que havia desonrado a bandeira japonesa... O soldado disse que o cabo não estava em serviço... Shimpei Kitamura (O primeiro à esquerda), de 26 anos, que também integrava o grupo, constatou ser verdade o que o soldado dizia. Os “sete samurais” então seguiram para a pensão Santa Terezinha, onde morava o cabo Edmundo... Eles aterrorizaram a empregada e invadiram o local, assim souberam que também lá ele não estava. Ficaram sabendo que o cabo estava no clube militar e para lá se dirigiram... Porém o soldado Juventino tratara de comunicar o capitão Gil Moss (comandante da V Companhia do Exército) sobre a perseguição que o cabo Edmundo vinha sofrendo... Então, ao chegarem ao clube militar, os sete destemidos japoneses se depararam com um pelotão armado de fuzis... Sakane explicou que “queriam apenas matar o cabo que havia desonrado a bandeira japonesa”... É claro que foram cercados e acabaram encarcerados.
Os “sete samurais” de Tupã eram Shimpei Kitamura, Shiguetaka Takagui, Isamu Matsumoto, Sincho Nakamine, Eiiti Sakane, Isao Mizushima e Tokuiti Hidaka. Às exceções de Shiguetaka Takagui (contador) e de Eiiti Sakane (enfermeiro), os demais eram lavradores que mal falavam português.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2011/12/coracoes-sujos-de-fernando-morais_7337.html
Leia: Corações Sujos. Companhia das Letras.

Um abraço,
Prof.Gilberto

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