O desfecho do projeto de Teodorico com a sua tentativa de engambelar a tia Patrocínio com a falsa relíquia foi o pior que se podia esperar. No lugar da coroa de espinhos, a camisa de dormir da Mary luveira!
Ficamos a imaginar o quanto ele se sentiu envergonhado diante dos conceituados e diletos amigos da velha.
(...)
Depois de ter sido chamado de “porcalhão”, retirou-se de fininho para o
quarto e atirou-se na cama.
Ele sentiu a atmosfera de
escândalo que tomou conta de todo casarão. Não demorou e Vicência apareceu para
anunciar-lhe que a senhora Dona Patrocínio exigia que saísse imediatamente para
a rua, pois não admitia sua permanência por “nem mais um instante” em sua casa.
Em silêncio, ele ouviu que
devia sair com a “roupa branca” e todas as outras porcarias que ele havia
trazido... Ainda atormentado pelos últimos acontecimentos, foi se levantando
como um indolente. Então a criada mais o apressou, advertindo que a dona da
casa estava disposta a chamar a polícia se ele não se retirasse imediatamente.
(...)
Não era um sonho... De
fato, o seu “castelo” se transformara num drama real... Mas foi aos poucos que
entendeu ele que não podia mais permanecer no imóvel que tanto desejara.
Confusamente, tomou um saco
e saiu cambaleando a recolher coisas que julgava imprescindíveis para a decadente
existência que se avizinhava... Chinelas, escova de dentes... Sua bagagem
estava ali mesmo, então só teve o trabalho de abraçá-la... Nem reparou que
entre as malas estava também um caixote com alças de ferro.
Retirou-se do casarão na
ponta dos pés, como se fosse mesmo um cão escorraçado por sua malvada dona.
Atravessou o pátio e logo Vicência trancou o portão, selando a sua expulsão.
Dali para frente era a rua
e a solidão... Em meio à parca luz, verificou o dinheiro que lhe restava: “duas
libras, dezoito tostões, um duro espanhol e cobres”. Foi só então que percebeu
o caixote carregado “das relíquias menores”, ou seja, “tabuinhas aplainadas por
São José, e cacos de barro do cântaro da Virgem”.
Colocou o caixote às costas
e seguiu para o Hotel da Pomba de Ouro, na Baixa Lisboa.
(...)
Teodorico passou a noite no hotel miserável e de baixa reputação...
No dia seguinte, enquanto remexia uma “sopa de grão e nabo”, um sujeito
de bigodes, que trajava colete de escuro veludo, posicionou-se diante dele e à
mesma mesa.
O tipo trazia um exemplar de “A Nação”, no qual
investigava anúncios específicos... Apresentou-se como Senhor Lino e,
voltando-se para o próprio prato, fez uma espécie de agradecimento e umas
observações a respeito do apetite que vinha nutrindo desde o “dia de reis”.
Teodorico respondeu qualquer coisa relacionando o apetite ao que se tinha para
comer. Disse isso ao mesmo tempo em que notava o amarelado dos olhos do homem,
e daí concluiu que ele padecia de males hepáticos...
O senhor Lino ajeitou o
guardanapo e com delicadeza perguntou se o rapaz vinha do norte do país...
Teodorico levou as mãos aos cabelos e foi dizendo que acabara de chegar de Jerusalém.
A resposta assustou o sujeito, que até se atrapalhou com as garfadas...
Quando “digeriu” a informação, disse que tinha muito interesse pelos lugares
santos, pois era homem de religião.
(...)
Foi assim que os dois se
conheceram...
O Senhor Lino explicou que
era empregado na Câmara Patriarcal... Teodorico, que não tinha a menor ideia do
que se tratava, emendou que conhecera o “senhor Patriarca de Jerusalém”, um
cavalheiro muito respeitável e santo. Para não perder o hábito das mentiras,
disse que se tornara próximo do referido patriarca.
O
Senhor Lino se interessou pelas novidades que o Raposo trazia... Não demorou e
ofereceu-lhe de sua garrafa de água... E em pouco passaram a conversar a respeito
da Terra Santa.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto