Gamaliel não aprovou as considerações de Osânias sobre o interesse de Cláudia em relação ao Rabino feito prisioneiro. A ideia de que ela o protegia com intenções impudicas levou-o a amaldiçoá-la.
Também o tipo que estava ensimesmado sob o capuz sentiu-se incomodado pelas palavras do filho de Beotos. Este que procurava manter-se reservado e em oração chamava-se Gade e pertencia à seita dos essênios. Subitamente levantou a face e seus olhos azuis pareceram fulminar o ambiente. Após alguns segundos voltou a fechá-los e murmurou pausadamente que “o Rabi é casto!”
Osânias soltou uma gargalhada... Mostrou-se admirado com a afirmação e pôs-se a problematizá-la. Perguntou sobre certa Magdalena, uma galileia que viveu no Bairro de Bezeta, e que durante as festas do Prurim (Purim) juntava-se a várias prostitutas gregas em frente ao teatro de Herodes...
Na sequência, o velho citou outras mulheres: Joana, esposa de Cosna, que cozinhava para o Antipas; Susana, de Efraim, que todos sabiam que o seguira à Cesareia numa noite em que sequer se importou com os afazeres domésticos, tendo abandonado os filhos à própria sorte...
(...)
O que ostentava a
espada com pedrarias à cintura chamava-se Manassés. Ele também se manifestou a
respeito das palavras de Osânias... Perguntou em tom de advertência como ele
podia conhecer em detalhes “as incontinências de um Rabi galileu, filho das
ervas do chão e mais miserável que elas”... Acrescentou que seria compreensível
se se referisse ao legado imperial, Élio Lama.
Maliciosamente,
Osânias respondeu que os “puros herdeiros de Judas de Galaonítida”, patriotas
como os que se encontravam na casa de Gamaliel, não poderiam acusar aos
saduceus, como ele próprio, de só conhecerem o que se passava no átrio dos
sacerdotes ou nos terraços da casa de Hanão.
Na sequência, depois
de tossir roucamente, emendou que foi exatamente na casa de Hanão que ouviu de
Menahem algumas maledicências a respeito do Rabi da Galileia... Inclusive que
ele tocava “fêmeas pagãs” e outras consideradas “mais impuras do que porcos”...
E mais! Certo levita o vira, quando percorria a estrada de Siquém, levantar-se
com uma samaritana “detrás da borda de um poço”.
Gade, que novamente se
cobrira com o capuz e se acomodara silenciosamente a um canto, não suportou o
relato ofensivo ao Rabi... No mesmo instante levantou-se e soltou um grito de
horror que transtornou os presentes.
(...)
Gamaliel o olhou com
severidade e observou que o Rabi contava trinta anos e ainda não se casara...
Ninguém podia explicar que tipo de trabalho o sustentava... Acaso lavrava algum
campo? O certo é que vivia a perambular pelos caminhos e “mulheres dissolutas” deviam
oferecer-lhe uma ou outra refeição.
O anfitrião, que também era doutor da lei, questionou a respeito
daqueles que o Rabi via com tão bons olhos... Afinal, o que os jovens imberbes
de Sibáris e Lesbos andavam a fazer pela Via Judiciária o dia inteiro? Depois
quis que Gade refletisse sobre o fato de ele e seus companheiros essênios abominarem
tipos como aqueles... Tanto é que não disfarçavam a rejeição que nutriam e
corriam à cisterna mais próxima para lavar as vestes sempre que sentiam que
haviam sido roçados por um deles!
Gamaliel deu a entender que a questão era das mais sérias. Então fez novas
referências às palavras do velho Osânias e perguntou: quem poderia colocar-se
acima de Jeová?
Ele
mesmo quis deixar claro que “só Jeová é grande!”. E em tom de acusação garantiu
que, no entanto, o Rabi Jeschoua demonstrava desprezo à lei sempre que concedia
perdão às mulheres adúlteras.
Na opinião de
Gamaliel, Ele parecia ceder “à frouxidão de sua moral e não à abundância de sua
misericórdia”.
(...)
Gade
o ouviu em silêncio... Mas logo levantou os braços e quis redarguir afirmando
que o Rabi fazia milagres...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_64.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto