Topsius deu a entender que a existência do Batista era uma imitação da existência do profeta Elias...
Teodorico quis saber se o encarceramento não foi suficiente para fazê-lo calar. Topsius explicou que, pelo contrário, João Batista passou a vociferar com maior convicção... E “do fundo daquela montanha” conseguiu envergonhar Herodíade, que se escondia logo que começava a ouvir os clamores de maldição.
O alemão explicou que, se dependesse apenas de Herodes Antipas, São João Batista não teria sido degolado... Disse que o tetrarca era galileu e, tal como os demais de sua região, levava os profetas em consideração.
A simpatia dos galileus por profetas era “irremediável”! E havia ainda a crença de que, no céu, Elias continuava a viver, era “patrono e amigo de Iocanã” e o protegia.
(...)
Salomé foi a mulher que
decidiu a sentença que coube a João Batista.
Ela
era filha de Herodíade e de Herodes Felipe... A jovem havia sido educada em
segredo num bosque que abrigava o templo em honra de Hércules (na Cesareia).
(...)
Topsius esclareceu ao
companheiro português que o mês de Esquebá (Heshvan?) era marcado por
festividades em honra ao aniversário de Herodes Antipas... Maqueros se
transformava por ocasião dessas festividades.
Vitélio (o militar
romano, que por aquele tempo comandava tropas em expedição à Síria e que durante
o ano 69 se tornaria imperador por oito meses) assistiu às comemorações, e
participou das cerimônias em que bebia-se “à saúde de César e de Roma”. Também
ele presenciou a entrada triunfal de Salomé no salão principal...
Todos contemplaram a
nudez da virgem que dançou “à maneira babilônica”. Herodes Antipas inflamou-se
de desejo... De fato, a jovem estava deslumbrante e isso o levou a prometer-lhe
o que desejasse em troca do beijo de seus lábios.
A moça pegou um prato
de ouro ao mesmo tempo em que olhou para a mãe... Os presentes esperaram com
atenção as palavras que revelariam o seu pedido. Depois de breve silêncio,
pediu a cabeça de João Batista.
(...)
Herodes espantou-se...
Sem
demora ofereceu alternativas (a cidade de Tiberíade, tesouros, as aldeias de
Genesaré...)... Salomé sorriu... Não se pode dizer que não tenha ficado confusa.
Olhou novamente para a mãe e com voz vacilante voltou a pedir a cabeça do
profeta encarcerado.
Criou-se uma situação desconfortável para Herodes... E ela tornou-se ainda
mais desagradável para ele depois que os presentes (“saduceus, escribas, homens
ricos da Decápola”), inclusive o ilustre Vitélio, insistiram que o prometido
devia ser cumprido.
Ele dera a palavra... Estava diante de pessoas
importantes demais para “voltar atrás”... Foi então que um negro da Idumeia
recebeu a ordem de buscar a cabeça do Batista.
Não demorou e o tipo
retornou ao salão... Em uma das mãos trazia um a alfanje (ferramenta ou arma de
afiada lâmina) ensanguentado... Na outra agarrava os cabelos do mártir.
(...)
A narrativa foi extasiante...
Teodorico
ouviu-a com atenção... Depois pensou nas festas das noites de junho, quando se
canta e se queimam fogueiras em homenagem ao São João.
(...)
O rapaz estava
mergulhado nessas divagações quando todos avistaram as amareladas areias que
margeavam o Jordão... Foi Pote quem o anunciou aos gritos... Aceleraram o
galope para alcançar as águas do “rio da escritura”.
O
guia conhecia bem aquelas paragens. Então conduziu os romeiros a um local
agradável para que pudessem passar o período mais quente do dia protegidos do
sol. Ajeitaram-se num tapete e beberam a cerveja que haviam esfriado nas águas
do rio que descia desde o Lago da Galileia até o Mar Morto.
O remanso era apropriado para quem pretendia descansar debaixo das grandes
árvores... As águas transparentes corriam tranquilas e conduziam ramos de
variados tamanhos à margem...
Teodorico
notou algumas flores desconhecidas em meio à vegetação... Pensou que no remoto passado elas enfeitavam “as tranças das virgens de
Canaã em manhãs de vindima”... À noite, quando “a voz terrível de Jeová” já não
apavorava os viventes, aves deviam gorjear entre as ramagens.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_15.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto