O roteiro comum os aproximou...
Teodorico sugeriu que se “acamaradassem”... Topsius concordou.
(...)
Neste ponto dos
registros das memórias vale destacar a genialidade de Eça de Queiroz e seu
refinado humor... Além disso, como veremos mais adiante, somente o seu apurado
conhecimento a respeito dos locais por onde Teodorico e Topsius passaram
poderia proporcionar tanta qualidade à sua obra de ficção.
(...)
O alemão era um tipo magro e de pernas longas... A ponta de seu nariz
agudo sustentava óculos de aros de ouro. Ao Teodorico o tipo lembrava uma “cegonha
letrada”... Havia este aspecto risível, mas a sapiência de Topsius era o que
mais chamava a atenção dos que o viam e ouviam.
Os
dois continuaram a conversar amistosamente enquanto tomaram cerveja... E foi
assim que Teodorico ficou sabendo mais a respeito do doutor. A ciência e o
saber eram marcas de seus parentes.
O avô materno de
Topsius era um naturalista muito conhecido na Alemanha. Se chamava Shlock e era
autor de uma vasta obra (oito volumes) a respeito da “Expressão fisionômica dos
Lagartos”... Um de seus tios, que também se chamava Topsius, contava setenta e
sete anos quando ditou a “Síntese Monoteísta da Teogonia Egípcia considerada
nas relações do Deus Ftá e do Deus Imhotep com as Tríades dos Nomos”. Um livro
fenomenal!
Não
se pode dizer que o pai de Topsius prezasse a ciência como os demais da
família... Porém o rapaz representava algo como que um resgate da tradição...
Tanto é que quando contava vinte e dois anos publicou dezenove artigos no “Boletim
Hebdomadário de Escavações Históricas” a respeito “de uma parede de tijolo
erguida pelo Rei Pi-Sibkmé, da vigésima primeira dinastia, em torno do templo
de Ramsés II, na lendária cidade de Tânis”, que elucidaram questões de extrema
importância para a compreensão de nossa civilização.
Na Alemanha, a
referida “parede de tijolo”, se tornara tema para o qual as declarações de
Topsius passaram a ser imprescindíveis e irrefutáveis.
(...)
O
que mais dizer a respeito dessa personalidade singular? Teodorico garante que
nos mais diversos sítios (sobre as águas do Mar de Tiro, pelas ruas de
Jerusalém, em Jericó ou nas estradas da Galileia) sempre o encontrou “instrutivo,
serviçal, paciente e discreto”.
Para o Raposo não era
fácil compreender o doutor e suas palavras carregadas de sabedoria... O homem
era uma sumidade, mas houve ocasiões em que também ele proferia “pragas
imundas” e assim o português podia se sentir mais próximo do intelectual.
Ele conta que o
alemão ficou lhe devendo seis moedas. Sem dúvida algo insignificante diante de
tanto saber histórico que o outro lhe transmitira durante a viagem...
Teodorico
possuía algumas queixas em relação ao companheiro de viagem. Ele não suportava
o seu “pigarro de erudito” e o fato de o tipo ocupar-se de sua escova de
dentes. Também não podia tolerar o seu ufanismo... Topsius não perdia
oportunidades para enaltecer a pátria, “mãe espiritual dos povos”. Não foram
raras as ocasiões em que pronunciou que a Alemanha detinha o “conhecimento
absoluto”, era uma potência militar e que, além disso, dominava a Metafísica.
(...)
Logo que deram
entrada no Hotel das Pirâmides, Topsius preencheu o livro de registros traçando
o nome e o local de origem. Para essa informação apontou (que vinha) “da
imperial Alemanha”.
Teodorico
não deixou por menos... Logo que viu os apontamentos do companheiro, decidiu
que devia traçar registro ainda mais significativo... Pensou em João de Castro
(cartógrafo e governador português na Índia do século XVI) e nos poemas épicos
lusitanos... Recordou as paragens de seu país e fez a pena percorrer o livro
cravando “Raposo, português, daquém e dalém-mar”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto