sexta-feira, 13 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – mais sobre Topsius e sua família de ilustres doutores; “fenomenais contribuições” intelectuais; hábitos do alemão reprovados por Teodorico; ufanismo e “ares de superioridade”; “Raposo, português, daquém e dalém-mar”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_13.html antes de ler esta postagem:

O roteiro comum os aproximou...
Teodorico sugeriu que se “acamaradassem”... Topsius concordou.


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Neste ponto dos registros das memórias vale destacar a genialidade de Eça de Queiroz e seu refinado humor... Além disso, como veremos mais adiante, somente o seu apurado conhecimento a respeito dos locais por onde Teodorico e Topsius passaram poderia proporcionar tanta qualidade à sua obra de ficção.
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O alemão era um tipo magro e de pernas longas... A ponta de seu nariz agudo sustentava óculos de aros de ouro. Ao Teodorico o tipo lembrava uma “cegonha letrada”... Havia este aspecto risível, mas a sapiência de Topsius era o que mais chamava a atenção dos que o viam e ouviam.
Os dois continuaram a conversar amistosamente enquanto tomaram cerveja... E foi assim que Teodorico ficou sabendo mais a respeito do doutor. A ciência e o saber eram marcas de seus parentes.
O avô materno de Topsius era um naturalista muito conhecido na Alemanha. Se chamava Shlock e era autor de uma vasta obra (oito volumes) a respeito da “Expressão fisionômica dos Lagartos”... Um de seus tios, que também se chamava Topsius, contava setenta e sete anos quando ditou a “Síntese Monoteísta da Teogonia Egípcia considerada nas relações do Deus Ftá e do Deus Imhotep com as Tríades dos Nomos”. Um livro fenomenal!
Não se pode dizer que o pai de Topsius prezasse a ciência como os demais da família... Porém o rapaz representava algo como que um resgate da tradição... Tanto é que quando contava vinte e dois anos publicou dezenove artigos no “Boletim Hebdomadário de Escavações Históricas” a respeito “de uma parede de tijolo erguida pelo Rei Pi-Sibkmé, da vigésima primeira dinastia, em torno do templo de Ramsés II, na lendária cidade de Tânis”, que elucidaram questões de extrema importância para a compreensão de nossa civilização.
Na Alemanha, a referida “parede de tijolo”, se tornara tema para o qual as declarações de Topsius passaram a ser imprescindíveis e irrefutáveis.
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O que mais dizer a respeito dessa personalidade singular? Teodorico garante que nos mais diversos sítios (sobre as águas do Mar de Tiro, pelas ruas de Jerusalém, em Jericó ou nas estradas da Galileia) sempre o encontrou “instrutivo, serviçal, paciente e discreto”.
Para o Raposo não era fácil compreender o doutor e suas palavras carregadas de sabedoria... O homem era uma sumidade, mas houve ocasiões em que também ele proferia “pragas imundas” e assim o português podia se sentir mais próximo do intelectual.
Ele conta que o alemão ficou lhe devendo seis moedas. Sem dúvida algo insignificante diante de tanto saber histórico que o outro lhe transmitira durante a viagem...
Teodorico possuía algumas queixas em relação ao companheiro de viagem. Ele não suportava o seu “pigarro de erudito” e o fato de o tipo ocupar-se de sua escova de dentes. Também não podia tolerar o seu ufanismo... Topsius não perdia oportunidades para enaltecer a pátria, “mãe espiritual dos povos”. Não foram raras as ocasiões em que pronunciou que a Alemanha detinha o “conhecimento absoluto”, era uma potência militar e que, além disso, dominava a Metafísica.

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Logo que deram entrada no Hotel das Pirâmides, Topsius preencheu o livro de registros traçando o nome e o local de origem. Para essa informação apontou (que vinha) “da imperial Alemanha”.
Teodorico não deixou por menos... Logo que viu os apontamentos do companheiro, decidiu que devia traçar registro ainda mais significativo... Pensou em João de Castro (cartógrafo e governador português na Índia do século XVI) e nos poemas épicos lusitanos... Recordou as paragens de seu país e fez a pena percorrer o livro cravando “Raposo, português, daquém e dalém-mar”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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